Talvez a essa altura você já conheça a história. Não exatamente por causa do livro em si, mas muito provavelmente por causa das duas adaptações cinematográficas, lançadas em 1989 e em 2019. Independente da qualidade dos filmes, ter qualquer livro adaptado DUAS vezes pro cinema quer dizer alguma coisa, certo?
King se inspirou numa "quase" tragédia familiar que lhe ocorreu no início dos anos oitenta: um de seus filhos escapou por pouco de ser atropelado por um caminhão na rodovia que passava em frente a sua casa. Outra fonte de inspiração foi a existência de um cemitério de animais que havia num bosque perto de onde a família morava, no qual eram enterrados os animais domésticos e bichinhos de estimação das pessoas da região.
A terceira e, provavelmente principal inspiração de King foi o atropelamento e morte do gato de sua filha na mesma estrada citada anteriormente. Stephen e sua esposa, a romancista Tabitha tiveram uma conversa sobre contar a verdade ou não à filha.
Depois de terminado o primeiro rascunho completo, King detestou a história quando a releu. Decidiu não publicá-lo mas, algum tempo depois, teve que usar o livro como parte de um acordo para romper a parceria com sua primeira editora.. Pra variar, O Cemitério se tornou um sucesso de vendas e, pra muitos, o melhor livro do escritor.
Meu primeiro contato com a história foi, como muitos, com o filme de 1989 e não com o livro. Era o auge da era das locadoras de vídeo aqui no Brasil e eu tinha cerca de cinco anos quando o assisti - sempre adorei sentir o medo de filmes de terror, desde pequeno. O filme me impressionou bastante, principalmente por ser aquela típica história de terror com crianças envolvidas - essas bastardinhas assustadoras! Uma cena em particular, perto do final do filme, ficou na minha mente durante ANOS. Quando a Globo passou o filme na Tela Quente eu o revi e, claro, fiquei cagado de medo de novo.
Só fui rever essa versão em 2005, quando comprei o DVD do filme, mas quatro anos antes li, finalmente, o livro. Era aquela edição antiga, com o garotinho na capa, diferente da que comprei pouco tempo depois (essa mostrada acima, da Objetiva).
É preciso ter um certo sangue frio pra encarar essa história. Não sei o quanto isso foi consciente de King enquanto escrevia, mas a narrativa nos apresenta, de forma bonitinha, a Família Creed. O médico Louis, sua esposa Rachel, sua filha de cinco anos Ellie, o caçula Gage e o gato Church chegam à sua nova casa em Ludlow, na Nova Inglaterra (aquela região dos Estados Unidos onde há muitas florestas cortadas ocasionalmente por rodovias.). A família trocou a agitação de Chicago pelo aparente sossego do interior. A propriedade fica à beira de uma rodovia movimentada pelo vai-e-vem de caminhões. Atrás da casa, há um bosque que se estende por quilômetros.
Logo no dia em que chegam, a família conhece o octogenário vizinho da casa do outro lado da rodovia, Jud Crandall. Ele e a esposa Norma, vivem ali há muitos anos e Louis faz rapidamente amizade com Jud.
Louis assume o posto de médico-chefe da Universidade local e, pouco tempo depois, Jud leva a família pra conhecer parte do bosque atrás da propriedade dos Creed. Lá, a família descobre que há um cemitério de animais, no qual as pessoas da região enterram seus bichinhos de estimação - a maioria dos quais, mortos justamente atropelados na estrada principal. Obviamente que a família de Louis não reage exatamente bem àquilo, particularmente Ellie que, pela primeira vez encara a possibilidade de seu próprio gato morrer um dia.
As cem primeiras páginas do livro mostram, basicamente, a Família Creed se adaptando à nova vida, enquanto a amizade de Louis e Jud aumenta. Louis vê no velho vizinho a figura paterna que ele nunca teve. Essa certa demora pras coisas começarem a dar errado acaba sendo uma jogada de gênio: ao final do primeiro terço do livro, o leitor está se importando bastante com os personagens.
Como já havia visto o filme quando criança, enquanto lia o livro pela primeira vez, eu já sabia o que iria acontecer, pelo menos os eventos importantes. Mesmo assim, foi uma experiência única encarar O Cemitério aos dezesseis anos. Definitivamente o grande diferencial dessa história é o fato de que, diferente da maioria dos livros água-com-açúcar que existem por aí, ele te leva a uma jornada rumo à escuridão da existência humana. A partir de certo ponto, você tem certeza de que as coisas não vão terminar bem, mas chega a ser impressionante o quanto elas pioram.
A grande ironia é que é esse exatamente o motivo de King não gostar de O Cemitério. O livro é sombrio demais, pesado demais. Praticamente, depois da metade dele, não há simplesmente nenhum alívio cômico ou algo do tipo. É uma jornada a um abismo que, a cada passo, se torna mais improvável de se voltar atrás.
Um dos grandes diferenciais que posso dizer sobre o motivo desse livro ser muito melhor do que seus respectivos fiimes é que nos momentos derradeiros, King coloca o leitor dentro da mente do protagonista e, de certa forma, entendemos os motivos que o leva a fazer tudo o que faz. Como é dito bem no meio da história - talvez na melhor antecipação da carreira de Stephen King - provavelmente é um erro afirmar que exista um limite para o horror que a mente humana pode suportar. Mesmo assim, a cada passo de Louis rumo ao desconhecido, torcemos sempre para que o pior já tenha passado.
Se você se impressiona fácil, esse livro não é pra você. No entanto, se está curioso pra saber da história, recomendo que leia o livro antes de ver qualquer um dos filmes. Tenho certeza de que irá gostar bem mais.
Por fim, quando o remake foi lançado em 2019, Stephen King deu uma entrevista bem completa sobre o livro ao Entertainment Weekly (texto em inglês). Vale a pena ler.
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