Quando tinha doze anos, se qualquer pessoa me dissesse que aos 35 eu seria um ator formado, com certeza eu teria chamado ela de doida varrida, maluquinha, xarope, louca das idéias.
Assim como 99,99999% das pessoinhas de doze anos, eu não fazia idéia do que queria ser.. No entanto, na época minha posição de grande consumidor de filmes já estava bem enraizada em mim, então eu talvez soubesse o que queria ser... apenas não tinha consciência disso ainda.
Muita coisa aconteceu e um bom tempo se passou até que eu começasse a pensar no assunto. Em 2009 - talvez 2010 - eu tive meu primeiro contato na área. Fiz um curso de teatro de curta duração no SESI de Mogi das Cruzes. Como a maioria das pessoas que fazem esse tipo de curso pela primeira vez, meu desempenho foi um desastre, pois atuação para teatro e para cinema são duas coisas totalmente distintas, Não que eu já tivesse algum conhecimento na atuação para vídeo, mas com certeza tinha menos ainda de noções de atuação no palco.
De qualquer forma, acredito que foi por volta dessa época que a sementinha foi plantada na minha cabeça. Embora eu tenha uma memória relativamente boa no que diz respeito aos acontecimentos da minha vida, é estranho como esse assunto em particular não me vem tão claramente.
O caso é que o passo seguinte foi me matricular no curso de férias da conhecida escola de teatro Macunaíma, em São Paulo. Foi lá que eu tive meu primeiro choque de realidade: se queria ser ator, primeiro teria que me desconstruir por inteiro. Talvez você que não seja da área não entenda a princípio e vou tentar explicar aqui.
Na vida social, nós temos várias máscaras. Entre elas, as que mostramos às pessoas, a que mostramos pra nós mesmos - nossa auto-imagem, talvez - e a que somos de verdade. Essa última é totalmente subjetiva, pois depende muito da visão de cada um - mesmo a nossa própria visão sobre nós mesmos tende a mudar de tempos em tempos. Você não age com seus pais da mesma maneira que age quando está com seus amigos - e, mesmo entre eles, seus modos também costumam variar de amigo para amigo. Você age de outro jeito com seus avós, seu chefe, com a garota que você gosta, com as garotas que gostam de você, com as pessoas na rua. É fato que somos muitos em um só... e também somos um que são muitos.
Complicado? Nem um pouco. Apenas pare pra pensar sobre isso e vai entender.
No entanto, quando me referi ao processo de desconstrução necessário pra pessoa que cogita entrar na área de artes, você deve estar disposto a abrir mão de todas essas máscaras externas. Colocando em miúdos, deve aprender a rir de si mesmo. Aprender a bancar o ridículo, palhaço. Colocar de lado velhos preconceitos - eles simplesmente não tem lugar em nenhuma forma de arte, a menos que você esteja disposto a se tornar um artista limitado.
E nenhum artista que se preze quer isso.
Se você nunca dançou, dance. Que se dane se ficar engraçado ou ridículo aos demais, essa é exatamente a questão. Faça caretas. Mostre a língua.
Se jogue.
Você vei ter que esquecer um pouco a vaidade. Esqueça-a por completo, é melhor.
Não há padrões. Padrões de beleza.
Seja um descolado, não um preocupado.
Acredite, não é nada fácil. Particularmente, eu fui um adolescente bem inseguro, como a maioria, mas arrastei parte dessa insegurança para a vida adulta, por um bom tempo. Fazer teatro tanto me alertou pra isso quanto escancarou isso.
Acredito que isso varie de pessoa pra pessoa, mas no meu caso levou alguns anos. Ainda leva, na verdade.
Toda a jornada até a minha formação oficial como artista foi como ser o bebê de uma gestação de três anos. Você vai se desenvolvendo aos poucos, sofrendo, se regozijando (tudo ao mesmo tempo, às vezes).
Toda mudança é difícil.
Sim, toda mudança é difícil. Repare bem no que eu disse:
TODA
MUDANÇA
É
DIFÍCIL.
(ATÉ AS MUDANÇAS PRA MELHOR. GANHE NA MEGA-SENA PRA VOCÊ VER SE SUA CABEÇA NÃO VAI PIRAR NOS PRIMEIROS DIAS)
Se você quer ganhar a vida interpretando PERSONAGENS, você tem que estar disposto a fazer essa desconstrução de si mesmo. Mas não se preocupe: depois das aulas, da peça, da gravação, você vai ser livre pra ser você de novo. Se tiver sorte, vai até notar as pequenas diferenças em si mesmo.
Ah, esse post é um tipo de explicação pro título do blog, não?
Trabalhar com arte envolve uma série de questões que você tem que aprender a lidar. Quem não é da área vai tentar te fazer se sentir culpado por você ser - ou pelo menos tentar ser. A ironia é que TODAS essas pessoas são consumidoras de arte. Quem nunca sentou o belo traseiro no sofá de casa pra ver um capítulo da novela? Ou foi ao cinema ver um filme? Ou a uma exposição? Museu? A um show?
Também há aquelas que são frustradas com a própria vida. Eu vi muito disso em alguns lugares que trabalhei, mas em outras pessoas também.
Em alguns momentos - raros, se você tiver sorte - isso vai realmente entrar na sua cabeça e ameaçar se tornar também a sua verdade. Digo isso porque incontáveis vezes nos últimos cinco anos, quando alguém me perguntava no que trabalhava, eu hesitava em responder a verdade. Em algumas, inclusive, não só a omiti como respondi alguma outra coisa inventada na hora.
No entanto, com o tempo você começa a descobrir que até mesmo alguns de seus ídolos passaram por isso. Ao repassar algumas de suas memórias de infância no EXCELENTE Sobre a Escrita, Stephen King disse:
"Muitos anos se passaram - anos demais, eu acho - até que eu perdesse a vergonha do que escrevia. Acho que só depois dos 40 anos me dei conta de que praticamente todos os escritores de ficção e poesia que já publicaram uma linha que seja foram acusados de desperdiçar o talento que Deus lhe deu. Se você escreve (pinta, dança, esculpe ou canta, imagino eu), alguém vai tentar fazer com que você se sinta mal com isso, pode ter certeza. Não estou me lamentando aqui, apenas tentando mostrar os fatos como os vejo."
Não, não é vitimismo. São as coisas como são.
Por isso, quando alguém me perguntar a partir de agora:
Sou ator.