quarta-feira, 7 de abril de 2021

"Onde quer que você vá, eles estão lá": A trilogia House of Darkness, House of Light

(texto sobre o Volume 1, aqui)

(texto sobre o Volume 2, aqui)


Eles estão entre nós? Ou estão em algum outro plano, no qual apenas uma menor parte da população tem a sensibilidade para vislumbrar?

Talvez seja um pouco dos dois.

Talvez seja um pouco de tudo.

Faz dois meses que terminei de ler os três livros que contam a incrível história real da Família Perron que, entre 1971 e 1980 residiu numa propriedade mal-assombrada em Harrisville, estado de Rhode Island no nordeste dos Estados Unidos.

A grande maioria das pessoas que ouviu falar dessa história pela primeira vez o fez através do filme de James Wan, Invocação do Mal (2013). Eu mesmo estou entre essas pessoas. Mesmo tendo curiosidade em conhecer mais sobre a verdadeira história (o filme cobre, digamos 1%, além de mudar uma série de coisas), só vim a adquirir os livros no final de 2020. 

E sim, a história é muito mais intensa e profunda do que o filme conseguiu mostrar.

Primeiro porque não se trata apenas de uma casa mal assombrada. Toda a propriedade - e provavelmente algumas adjacentes - parece ter a energia acumulada de gerações e gerações de pessoas que viveram e morreram ali. Numa conversa breve com Andrea Perron, por email, eu mencionei pra ela uma diferença básica entre os Estados Unidos e o Brasil nessa questão: nós temos poucas construções com mais de cem anos de idade, apesar de serem países com idade relativamente parecida. Lá, sobretudo na região da Nova Inglaterra, muitas casas remetem aos anos 1800. A própria casa dos Perron em Harrisville foi construída muito antes disso, na década de  1730.

Por mais que muitos ditos especialistas no assunto afirmam ter pleno conhecimento sobre esse tipo de coisa, a verdade é que não sabemos nada. Talvez nunca venhamos a saber.

Talvez não devamos saber.

Quando eu falo "ditos especialistas" também estou incluindo aí os famosos Ed e Lorraine Warren. Na verdade, em muitas áreas, qualquer pessoa que se rotule especialista em alguma coisa está sempre sob o risco de agir com arrogância em algumas situações. É preciso muito preparo mental pra não cair nessa armadilha. Agir com segurança nem sempre deve estar atrelado à prepotência de se achar que se está sempre certo.

Se não fosse por isso, talvez eles não tivessem organizado a desastrosa sessão espírita que ocorreu em 1973 na casa dos Perron. Por mais que uma parte das intenções do casal de investigadores paranormais fosse nobre, é inegável que eles também queriam usar o caso pra ajudar a alavancar suas carreiras.

Depois de tomar conhecimento do caso em Harrisville e de fazer uma primeira visita de reconhecimento do terreno, Ed e Lorraine começaram a citar a família em algumas palestras que davam na época, o que causou um interesse mórbido de pessoas estranhas que iam, de tempos em tempos, incomodar os Perron. Carolyn ficou furiosa e decepcionada, já que no desespero havia depositado nos Warren suas últimas esperanças de resolver o problema na casa.

Humanos são sempre humanos, afinal.

E algumas vezes o buraco é mais embaixo, como diz a frase popular.

Não se tratava apenas de uma casa mal assombrada, como já disse. Em toda a imensa propriedade (descrita por Andrea como tendo 200 acres, o que dá mais de 800 mil metros quadrados) não era raro que uma das meninas, ou mesmo Roger, se perdessem enquanto passeavam pelo terreno. Um lugar grande o suficiente pra horas de caminhada também poderia ser assustador na mesma proporção.

Nancy, a segunda filha mais velha dos Perron, se perdeu em uma ocasião. Vez ou outra ela gostava de pescar no riacho que corta a propriedade pra pescar e certa vez ficou desorientada ao procurar o caminho de volta para casa. Não iria adiantar gritar por ajuda; ninguém iria ouvi-la àquela distância.
Perdida, Nancy sentiu um chamado vindo da floresta, da direção oposta à que ela imaginava ser o caminho para casa. Uma atração familiar e impossível de ser ignorada. Mesmo sabendo não ser o caminho certo, Nancy foi na direção do chamado até que ela se deparou com uma família inteira vivendo numa casa numa clareira. Pai, mãe e três crianças. Nancy sentiu como se fizesse parte daquela família. Momentos depois, a casa desapareceu e Nancy se viu sozinha de novo. Fascinada, a garota foi até o local onde a casa estava e se viu nas ruínas de um porão, que provavelmente fazia parte de uma casa já há muito demolida. Quando chegou ao grande buraco no chão, Nancy sentiu uma forte vertigem e uma força que aparentemente a empurrava pra dentro. A garota se virou e correu, sentindo uma presença atrás dela. Nancy chegou em casa e não contou a ninguém o acontecido... até trinta anos depois, quando Cindy, a mais "sensitiva" das irmãs Perron, lhe contou que passou por uma experiência idêntica no mesmo local na época.
Nenhuma das duas contou à ninguém na época porque Carolyn sempre as advertira sobre andarem sozinhas na floresta. No entanto, o medo de Carolyn era relacionado aos perigos naturais de se viver em meio à natureza. Provavelmente nos primeiros anos ela não fazia idéia de que o grande terreno podia ser tão assombrado quanto a casa em si. Nancy e Cindy nunca mais voltaram às ruínas do velho porão... não sozinhas, pelo menos.

April, a caçula, também via constantemente espíritos antigos na floresta. Na maioria das vezes, se tratavam de fantasmas de nativos americanos, mas ela também via vez ou outra o "pai e filho" que também eram vistos ocasionalmente no topo da escada que levava ao quarto de Andrea. April os via no rio que cortava a propriedade. Era de conhecimento documentado de que um antigo morador do local, Sr. Baker, havia morrido afogado naquele rio, assim como seu filho, dez anos depois.

Várias vezes é mencionado dos livros que a maior concentração de acontecimentos sobrenaturais vinha do porão da casa. Mesmo Lorraine Warren, já na primeira visita, sugeriu que eles lacrassem aquele cômodo.

Numa determinada noite, a família estava  reunida na sala para assistir ...E o Vento Levou. O que era pra ser um momento de paz mudou subitamente quando um som assustador veio do porão, alto o suficiente para fazer as tábuas do assoalho vibrarem e os cachorros latirem sem parar. Todos se assustaram. Carolyn desligou a TV. Roger se levantou imediatamente. Foi até a porta do porão, a abriu e desceu as escadas. Apreensivas, as mulheres da casa esperaram. Momentos depois, Roger voltou. Carolyn, que já havia presenciado atividades paranormais suficientes desde que se mudaram para Harrisville, reconheceu que algo havia acontecido a Roger no porão. Ele se limitou a dizer que a enorme e pesada porta de carvalho que havia lá embaixo, que dava acesso a outro cômodo, havia sido arrancada das dobradiças e tinha sido arremessada a vários metros de distância.
Mesmo muitos anos depois, durante a concepção dos livros, quando perguntado por Andrea se havia visto mais alguma coisa no porão naquela noite, Roger apenas respondia "nada" e encerrava o assunto.

Houve outras duas ocasiões em que o som alto o suficiente para fazer tremer a casa veio do porão. Era algo como uma trombeta. Na segunda vez, ocorreu após uma discussão entre Carolyn e Roger. Novamente ele desceu as escadas até lá, furioso. Quando voltou, Carolyn colocou as meninas, assustadas, na cama e resolveu discutir o assunto com ele.

 - O que aconteceu lá embaixo?
 - Aquela vadia...
 - Você a viu?
 - Não, mas ela me tocou. Nas minhas costas, meus ombros, meu pescoço...
 - Onde você estava quando ela tocou em você?
 - Na porta dos fundos do porão e depois no final da escada, começando a subir de volta.
 - Roger, você não entende? Ela te chamou lá embaixo.
 - Você não pode ter certeza disso. Não tem nada lá embaixo. Nada. Eu olhei em toda parte.
 - Então nada te tocou?
 - Eu não sei o que me tocou.

Eles estavam se referindo à entidade que assombrava o porão - provavelmente a mesma que fez Lorraine Warren dar o alerta sobre o local.
Em diversas ocasiões, quando Roger descia até lá pra pegar alguma coisa ou fazer algum reparo, ele a sentia. Sentia sua presença assim como, muitas vezes, seu toque. Carolyn achava que se tratava de Bathsheba Sherman. Já Roger tinha como palpite que poderia ser o fantasma da Sra. Arnold, a velhinha que se suicidara no celeiro décadas antes.

No total, o som vindo do porão ocorreu em três ocasiões nos quase dez anos que a família Perron morou em Harrisville. Em todas, Roger estava em casa.

*******

 - Carolyn, porque não me disse que essa casa era mal-assombrada?

A pergunta veio numa manhã do verão de 1976, da boca de Frankie, irmã de Carolyn. Ela e a família haviam passado a noite na casa dos Perron; estavam visitando Harrisville pela primeira vez.

  -  Oh Meu Deus! O que aconteceu?
 - Alguma coisa estava parada ao lado da cama, nos encarando e depois se abaixou e puxou as cobertas até nossos pés.
Um pouco depois, no mesmo dia, Roger desceu ao porão junto com Guy, marido de Frankie. Dessa única vez foi Guy quem sentiu o toque do espírito feminino que assombrava a casa.


Em outubro de 1973, em uma noite negra e tempestuosa, Ed e Lorraine Warren chegaram à casa dos Perron. Roger fez questão de estar fora de casa na ocasião, cético que ainda estava, deixando Carolyn e as meninas sozinhas para receberem o casal de investigadores paranormais.
Lorraine aparentemente percebeu desde o início o motivo da ausência de Roger. Carolyn mandou as meninas para seus quartos, pra que fizessem a lição de casa e ficou a sós com os Warren, pra ter certa liberdade em contar tudo que fosse possível sobre os eventos na casa.
Antes de irem embora, Lorraine pediu a Carolyn autorização para andar pelos cômodos do andar de baixo. Quando chegou na porta do quarto do casal - que ficava imediatamente sobre o porão da casa - Lorraine parou e disse que ninguém deveria dormir ali. Carolyn disse que ela e Roger estavam planejando mesmo mudar de quarto, irem pra um outro cômodo da casa.

Algumas semanas depois, Carolyn conseguiu convencer Roger a receber os Warren, na segunda visita do casal à propriedade. Ed e Lorraine também pediram pra entrevistar as garotas. Todos se reuniram na sala e Lorraine colocou um gravador sobre a mesa de centro.

Ed: Todos sabem porque estamos aqui esta noite?

Nancy: Pra falar sobre os nossos fantasmas.

Ed: Por que você os chama de seus fantasmas?

Nancy: Porque eles são nossos se estão vivendo na nossa casa.

Chris: Eles não estão vivendo mais.

Nancy: Você me entendeu. Eles certamente parecem vivos.

Cindy: Eles não sabem que é a nossa casa.

Ed: Como assim?

Cindy: Era a casa deles antes e eles ainda acham que é.

Ed: Como você sabe?

Cindy: Eles me dizem.

Ed: Quando eles falam com você?

Cindy: O tempo todo.

Ed: Como eles falam com você?

Cindy: Dentro da minha cabeça... pela minha testa e nos meus ouvidos. Eu os ouço quando eles vêem à noite, quando as vozes me falam sobre os sete soldados mortos na parede.

Ed: Pode me contar mais?

Cindy: Eu sempre soube que havia um lugar secreto no meu quarto desde que a gente se mudou. Eu simplesmente sabia. Alguém colocou aquela parede muito tempo atrás, mas eu sei que eles estão atrás dela.

Ed. Como você sabe?

Cindy: Eles dizem. E eu os sinto. Quando os espíritos vem à noite, eles falam ao mesmo tempo, as mesmas palavras. É meio assustador. No começo era difícil de entender, parecia um quebra cabeças de palavras. Eles falavam juntos e pareciam muito distantes. Mas ficou mais fácil de ouvir quando eles ficaram mais perto de mim. Eu fiquei muito assustada, mas agora é mais fácil de ouvi-los. Agora parece mais como uma única voz, falando a mesma coisa. Eu odeio quando eles vêm no quarto tarde da noite e chegam perto de mim. O ar fica muito frio, mesmo no verão... e eles fazem meu quarto feder!

Ed: Com que frequência isso acontece, Cindy?

Cindy: Não sei... o tempo todo. É horrível quando eles estão no quarto, mas costumam ir embora quando deixam... aquele cheiro. Quando falam, falam tão alto. Parecem tantos deles...

Ed: O que eles falam exatamente pra você?

Cindy: "Há sete soldados mortos enterrados na parede".

Ed. Algo mais?

Cindy: Somente isso. Nunca é diferente. Então eles me acordam de propósito e falam de novo. Depois de um tempo, começa a parecer uma canção. Eles não estão nem aí se eu vou ter prova no dia seguinte. Eles me acordam, de propósito.

Ed: Eles só aparecem à noite?

Cindy: Esses só aparecem à noite..

Ed: Isso acontece há quanto tempo?

Cindy: Desde que a gente se mudou, acho. Ou um pouco depois. Sempre.

Ed: Com que frequência eles aparecem pra você?

Cindy: Quase toda noite.

Carolyn: Porque nunca me contou isso?

Cindy: Eu contei, muito tempo atrás... da primeira vez. Além disso, não me assusta mais como costumava assustar, mãe. Eu cubro minha cabeça e volto a dormir. Chris dorme no mesmo quarto que eu, então ajuda não estar sozinha. Ela nem os ouve, mesmo se estiver acordada. Eles só aparecem pra mim, mas ela sabe quando acontece, porque eu cubro a cabeça com um travesseiro, pra não ouvi-los. Chrissy fica brava com eles, porque ela também não consegue falar comigo..

Ed: Cindy, mais uma pergunta: Você disse que esses espíritos aparecem pra você à noite. O que quis dizer? Que há outros?

Cindy: Os outros aparecem quando a luz fica estranha no meu quarto. Aquela luz bonita depois do pôr-do-sol. Como você a chama, mãe?

Carolyn: Crepúsculo.

Cindy. É isso. É quando o espírito que me ama aparece e é quando eu vejo a menininha que chora pela mãe.

Ed: Que menininha?

Cindy: A gente achava que eram duas meninas, porque ela aparece com duas roupas diferentes, um de quando está doente e outra de quando está bem. Ela é tão solitária. É muito triste. Me faz chorar também.

Ed: Cindy, Quem é o espírito que te ama?

Cindy: Eu não sei. Ela apareceu quando a luz estava esquisita no meu quarto. Ela veio do closet... então flutuou sobre mim, ao mesmo tempo em que falou comigo dentro da minha cabeça. Aqui... bem na testa. Eu estava na bolha. Ficou frio e barulhento e o chão tremeu. O quarto cheirou tão mal quando ela estava lá. Então ela estendeu os braços, mas não tinha mãos e nem pés. Eu não conseguia me mover. Ela se inclinou sobre mim e me beijou ou me abraçou. Ela queria me tocar. Me falou pra ir com ela. Então eu consegui me libertar e corri pra minha mãe. Eu caí na escada, estava correndo tão rápido. Estava com medo demais. Ela não me machucou, mas é tão feia. Não tinha rosto e eu acho que o pescoço dela estava quebrado. O espírito realmente me ama, mas não quero ir com ela, nunca quis.

Ed: Cindy, O que quis dizer? Você se libertou... do que?

Cindy: Dela. Ela me colocou na bolha. Eu acho que é por causa da luz. É a hora em que nossos mundos são um só.

Tensa, Carolyn forçou uma pausa na entrevista. Era hora de Café e bolo para os convidados. As meninas foram para a cozinha Ajudar Andrea a preparar as coisas. Os Perron e os Warren aproveitaram para conversar entre si.

Numa visita seguinte, os Warren pediram para dar uma verificada nos cômodos do andar de cima. As meninas contaram sobre Manny, o espírito que viram no dia em que se mudaram. Depois de presenciar uma porta se destrancar a abrir lentamente sozinha, Lorraine perguntou a Carolyn sobre o que havia naquele quartinho colado à chaminé. April começou a agir de forma estranha, como se quisesse impedir os visitantes de entrar ali. Lorraine percebeu e agiu de forma indulgente com a menina.

Antes de ir embora, Os Warren sugeriram realizar uma sessão espírita na casa, em breve.
Carolyn considerou a oferta, mas tinha medo de ir longe demais. Algum tempo depois, contou sobre os Warren a sua amiga Fran, assim como a intenção do casal em realizar uma sessão espírita na casa.

Fran: Toma cuidado, Carolyn. É aquilo que dizem, "o inferno está cheio de boas intenções". Talvez os Warren não consigam cumprir o que prometem.

Carolyn: Pensei nisso também.

Fran: Você sabe o que acontece numa sessão espírita?

Carolyn: Só o que o que já li ou vi em filmes. Ficção.

Fran: A menos que você tenha experimentado, você não faz idéia...

Carolyn: Você já?

Fran: Já.

Carolyn: Me conta. Nada de segredos.

Fran: Eu participei de uma sessão espírita e nunca mais vou fazer isso de novo.

Carolyn: Foi na sua casa?

Fran: Não. No meu vizinho. O grupo quis fazer na minha casa também. Fanáticos. Aquela gente não fazia idéia do que estavam fazendo. O poder profano com o qual eles estavam liidando... aquilo me assustou. O que eles libertaram...

Carolyn: Que diabos aconteceu?

Fran: O inferno aconteceu. O inferno na terra.

Carolyn: Jesus, Fran!

Fran: Jesus não tinha nada a ver com aquilo. Ele nem estava lá. Se estivesse, ele teria ficado tão aterrorizado quanto eu fiquei. Nunca mais, Carolyn. Eu falei para aqueles idiotas que preferia conviver com os mortos.

Carolyn: Não me diga que foram os Warren.

Fran: Não. Uns moleques se metendo a entendidos no assunto.

Carolyn: Me conta o que aconteceu.

Fran: Você não quer saber.

Carolyn: Eu quero. Preciso saber.

Fran: Tudo que posso dizer é que era preciso fazer contato com os espíritos pra que eles fossem embora e foi feito contato... não apenas com os espíritos. Uma porta foi aberta naquela noite, uma que eles não conseguiriam fechar, porque não tinham idéia como.

Carolyn: Como convidar o diabo pra que entrasse em casa?

Fran. Exatamente assim. 

Carolyn: Parece perigoso. Mas eu não acredito no diabo.

Fran: Carolyn, não importa como você o chame, existe mal no mundo.

Carolyn: Eu sei. Eu só não engulo toda a propaganda dos chifres e tridente que a Igreja tenta nos enfiar goela abaixo.

Fran: O mínimo de conhecimento já é perigoso.

Fran: Não vou te dizer pra não fazer isso. A decisão é sua. Só vou te dizer que o que eu vi não era desse mundo. Era o mal puro. Veio por ter sido convidado e nunca foi embora daquela casa. Os donos é que foram embora. Há coisas que nós não compreendemos e nunca iremos compreender, não nessa vida. A ignorância é muito perigosa. As pessoas que acham que sabem o que estão fazendo são as mais perigosas. Acreditar na crença dos outros pode ser nocivo à saúde. Antes de fazer algo com relação ao seu problema, tenha certeza que sabe o que está fazendo e o que eles planejam fazer. Não torne as coisas piores. Me prometa isso.

Carolyn: Eu prometo. Eu já disse a eles que não quero fazer.

Fran: Ótimo.

Nesse meio tempo, algo estranho começou a acontecer. Os Perron começaram a ser visitados por pessoas desconhecidas. Curiosos. Carolyn começou a ficar preocupada com a segurança de suas filhas e foi atrás de informações. A resposta acabou sendo um banho de água fria na empolgação inicial que ela havia sentido com os Warren: o casal estava mencionando a propriedade da família Perron em algumas palestras, dando detalhes sobre a localização da casa. Carolyn se sentiu traída, sobretudo por Lorraine.


Quase desde o começo dos eventos ocorridos na casa, Carolyn foi a mais afetada, inclusive fisicamente. Sentia frio o tempo todo. Cansaço. Muitas vezes passava o dia deitada. Tanto Roger quanto as meninas repararam na perda de peso dela. Depois, quando começou a pesquisar sobre o passado da propriedade, Carolyn também entrou numa espécie de fascinação mórbida pela casa. Mesmo os hábitos de vestimentas dela começaram a se alterar. Carolyn passou a usar roupas num estilo mais antigo e algumas palavras de seu vocabulário remetiam a expressões de outros tempos.
Preocupada, Andrea contou isso a Lorraine durante um dos ocasionais telefonemas da Sra. Warren.

Carolyn disse a Lorraine que não gostaria de realizar a sessão espírita. Lorraine insistiu, usando - de forma cruel, talvez - as meninas como justificativa. "Por favor, dê a atenção devida a isso. Se não por você mesma, então por suas filhas. Não acha que elas já conviveram com isso por tempo demais?".

Lorraine convenceu Carolyn a reconsiderar a decisão. Esta, por sua vez, disse a Roger, que concordou, embora totalmente a contragosto. No entanto, tudo indicava que apenas Ed e Lorraine participariam da sessão. Quando chegou o dia, três veículos entraram no quintal, ao anoitecer.
Roger ficou furioso e Carolyn, confusa, mandou as meninas pro andar de cima. Lorraine, por sua vez, tentou argumentar com Roger.

Muitos anos depois, enquanto dava seu depoimento para a escrita do livro, Carolyn afirma não ter quase nenhuma memória daquela noite depois desse ponto.

Na outra sala, através de uma brecha na porta, Andrea e Cindy assistiam a tudo, escondidas.

Carolyn começou a chorar em silêncio, enquanto Roger ainda tentava convencer os Warren a não fazer a sessão na casa. Usava o argumento de que Carolyn estava muito fraca.

Junto com os Warren, chegaram uma médium e uma equipe da universidade, com o objetivo de documentar a sessão espírita. Carolyn começou a ficar letárgica e Roger cada vez mais furioso.

Carolyn batia os dentes de frio.

Vendo que Carolyn não parecia responder, Lorraine pediu aos outros para que a ajudassem a sentar à mesa. A sessão iria começar.

Enquanto Cindy e Andrea assistiam através da fenda na porta, um vento começou a soprar na sala onde estavam os adultos. Cindy reconheceu a sensação; já havia passado por aquilo num dos aposentos mais assombrados da casa algum tempo antes.
Carolyn ergueu a cabeça e começou a murmurar palavras incoerentes. A médium perguntou quem estava lá com eles. Carolyn começou a emanar uma voz que não era dela. Os punhos cerraram, com as unhas quase entrando na carne das mãos. O corpo começou a se encolher entre si, retorcer, até que formava praticamente o formato de uma bola.
Um som gutural saiu da garganta da mulher, como um animal prestes a atacar.
Na outra sala, Andrea sentiu que ia desmaiar.
Carolyn foi tomada por uma espécie de energia negra.
Palavras primitivas continuavam saindo dela. Sons impossíveis da voz humana reproduzir. Sua cabeça foi puxada para trás, com força suficiente pra lhe quebrar o pescoço. E cada grito de Carolyn parecia ser mais alto que o anterior.
Foi Roger, mais apavorado do que já esteve em toda a sua vida, quem resolveu dar um fim ao espetáculo. Gritou que parassem e a cadeira em que Carolyn estava levitou... e foi arremessada, junto com a mulher, ao outro lado da sala. A pancada dela no chão foi tão forte que todos ouviram o ar sair de seus pulmões.
Roger correu até ela. Ed foi atrás, tentando segurar Roger, mas este deu um soco em Ed, que caiu no chão.
Roger carregou Carolyn até o sofá.
Um som repentino sacudiu a casa, vindo do porão. Som de coisas quebrando. Roger sacudia Carolyn para que voltasse. 
Aos gritos, Roger expulsou os visitantes da casa. Ao se virar, Ed descobriu Andrea e Cindy. Mandou que as duas subissem.
Os técnicos desceram até o porão e encontraram todo o equipamento de áudio e video destruído.

Carolyn levou semanas pra se recuperar e aparentemente não se lembrava de nada naquela noite. Roger a culpou por todo o ocorrido.

Com o tempo, a obsessão de Carolyn com a história da casa cessou. A preocupação dela passou a ser lidar com tudo o que acontecia. E, mesmo depois da sessão, muita coisa  ainda acontecia na casa.


Depois de um dia particularmente ruim, Carolyn subiu até o quarto de uma das meninas, pra tentar descansar. Enterrou o rosto no travesseiro e ouviu a trinca do closet se abrir. Em seguida, ouviu passos pelo quarto e em seguida, o som da cadeira de balanço de um lado pro outro. Quando olhou pra ver qual das meninas era, Carolyn viu a cadeira vazia... mas ainda balançando. Ela sabia que quem quer que estivesse ali - ela tinha certeza se tratar de uma mulher - estava zelando por ela.

Os anos passaram. As meninas cresciam. Andrea se formou no colégio. E Roger e Carolyn ficavam cada vez mais distantes.

Em 1979, Carolyn convenceu Roger de que eles precisavam se mudar. Ela disse que não conseguiria sobreviver mais um inverno ali. Ele acreditou nela.

Quando se mudaram, Nancy ficou pra trás, incapaz de deixar a casa. Iria cuidar da propriedade até que os novos donos se mudassem. 

Não muito tempo depois de se mudarem, Roger e Carolyn se separaram.

Apesar dos problemas editoriais da trilogia de livros, é inegável que é uma história extremamente interessante. Embora eu tenha dado muitos spoilers aqui - não gosto de fazer isso - acontecem muitas outras coisas durante os dez anos da família Perron em Harrisville.  Tanto que é impossível, mesmo pra mim, que terminei de ler há pouco tempo, me lembrar de todos. Se trata de uma jornada estranha, comovente, reveladora e, muitas vezes assustadora.

(admito que me afetou de forma pessoal em momentos em que, digamos, eu tenho que levantar da cama à noite pra ir ao banheiro)

Depois de conversar brevemente com Andrea por email, percebi que dificilmente a trilogia sairá aqui no brasil num futuro próximo. Ela me disse que o livro não foi traduzido para outras línguas por uma questão de custo. Pessoalmente, eu acho que seria viável uma versão condensada, talvez em dois livros - isso seria totalmente possível, além de dar um ritmo melhor à narrativa.

Tomara que isso aconteça um dia.

Carolyn e Roger, 1957



Links:

Site oficial da trilogia:

Canal de Andrea Perron no YouTube:

Andrea Perron: Entrevista com Legendas

Andrea Perron: palestra com legendas

A casa, por dentro - com trechos de investigação paranormal

sábado, 13 de fevereiro de 2021

Trabalhos como ator

Todos os meus links de trabalho como ator:


Filmografia principal:


Rat (curta-metragem, 2020)
Percy

 



O Amor (curta-metragem, 2020)
Guilherme jovem

https://www.youtube.com/watch?v=7_cOY0vhXFA

 

 




Inefável (curta-metragem, 2019)
Ele

https://vimeo.com/336269062

 

 






Pico da Neblina (série de TV, 2019) – dois episódios
Capanga de CD #1

 - Rataria

 -Passarinho que come pedra


Série disponível na HBO GO. 

 




Olho Mágico (curta-metragem, 2018)
Homem na casa

https://vimeo.com/290735774

senha: olhomagico

 







Que Isso, Meu?! (sitcom, 2018) - 1 episódio
Sérgio

 - Piloto

https://vimeo.com/317581533


 

 




Ambos (curta-metragem, 2018)

Ele

https://vimeo.com/334334630

 

 







Chamado Central (série de TV, 2017) – 1 episódio
Wandircleidson/Chumbinho

 - Roubo de Celulares

Série disponível no GloboPlay

 






A Hora do Morfeu (curta-metragem,

2016)
Morfeu

https://vimeo.com/248085715

 

 







Contra as Regras da Agiotagem
(curta-metragem, 2016)
Bola

https://www.youtube.com/watch?v=1CG6aMyDLhs

 

 



Quem Nunca (duas esquetes 

curtas, 2016)

https://vimeo.com/274249753

https://vimeo.com/274254024






 

Tanque Cheio (curta-metragem, 2015)
Rubens


 

 




Na Manhã em Questão (curta-metragem, 2015)

https://vimeo.com/332083880

 








A Breve História de Um Milionário (curta-metragem, 2014)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

House of Darkness, House of Light - Volume 2

(resenha do primeiro livro você encontra neste link)

O segundo volume da trilogia House of Darkness, House of Light, da americana Andrea Perron, tem exatamente os mesmos problemas e virtudes do primeiro livro: a falta de linearidade nos eventos narrados e a excessiva repetição de algumas afirmações durante a leitura. Do meu ponto de vista de leitor, isso atrapalhou um pouco, sobretudo no primeiro terço do livro. O ritmo é quebrado muitas vezes por conta dessas repetições desnecessárias. Em mais de uma ocasião enquanto lia a primeira metade, pensei em desistir da leitura.

Quanto à principal virtude - há outras, mas essa é a mais evidente - é a história em si, que conta sobre os dez anos em que a família Perron morou em uma casa "mal-assombrada" durante a década de 70, em Harrisville, Rhode Island, no nordeste dos Estados Unidos.

O fato da história ser tão interessante foi o que me manteve fiel à leitura até o final e, embora eu tenha usado a expressão "mal-assombrada" no parágrafo acima, o relato de Andrea nos leva a crer que se trata de muito mais do que isso. Eu já havia tido essa impressão durante a leitura do primeiro volume, o que aumentou ainda mais depois de ler a segunda parte.

É nesse volume que entra em cena o casal Ed e Lorraine Warren, investigadores paranormais que ficaram famosos por investigar alguns dos casos mais conhecidos no Século XX como o de Amityville e o de Enfield, na Inglaterra. Na verdade, o que é contado no livro mudou bastante a minha percepção sobre eles... pra pior!

O primeiro terço do livro foca bastante nas experiências de Cindy, a segunda filha mais nova. Das cinco, ela é a que mais tinha essa sensibilidade com relação aos eventos paranormais que ocorriam na casa. Não obstante, era a mais "corajosa" das meninas. Impetuosa também. Esse aspecto em particular lhe trouxe alguns problemas, somados à curiosidade da garotinha.

Foi Cindy que, desde a primeira semana vivendo lá, ouvia constantemente vozes perto de sua cama dizendo "há sete soldados mortos enterrados naquela parede", assim como também era ela quem mais via o fantasma de uma garotinha chorando pela mãe. O curioso nesse caso é que as roupas que a garotinha parecia vestir às vezes eram diferentes, como se cada aparição fosse de um determinado momento diferente da vida dela antes de morrer. Cindy às vezes chorava, comovida pela tristeza da garotinha. Como muitas vezes ela percebia que seus brinquedos estavam em lugares diferentes dos que havia deixado quando saía e depois voltava do quarto, Cindy supôs que fosse a menininha que estivesse brincando com eles. Resolveu que não se importaria com isso, sentindo compaixão pela criança-fantasma.

Mesmo estando relativamente acostumada aos acontecimentos paranormais na casa, não podemos esquecer que nos primeiros anos lá, Cindy era uma criança. Crianças cometem muitos erros antes de aprenderem certas lições.

Dois anos e meio depois de chegarem na casa, Cindy estava com dez anos. Uma de suas amiguinhas sabia de algumas coisas que aconteciam na casa e sentia medo quando estava lá. Cindy ouviu uma amiga de sua irmã mais velha mencionar algo que havia lido num livro sobre ocultismo, algo que se chamava sessão espírita. Muito corajosa - isso temos que admitir - Cindy chamou a amiguinha para fazerem sua própria sessão, para tentar afastar os muitos espíritos que estavam na casa.

Grande erro.

Trancadas num dos quartinhos em que mais ocorriam fenômenos, as duas tentaram entrar em contato... apenas para, segundos depois, serem derrubadas no chão e terem seus cabelos puxados por uma força invisível, que as manteve presa ali por alguns minutos, oprimindo as duas, que gritavam em desespero e juravam em voz alta nunca mais fazer aquilo.

Algum tempo depois, Nancy abriu a porta do quartinho e libertou as duas.

Um aspecto peculiar é que quase sempre que alguém na casa passava por uma experiência mais forte, algo impedia que as pessoas que estavam em outros cômodos ouvissem qualquer coisa de anormal. As meninas passaram a usar a expressão "estar na bolha" pra descrever o acontecimento. Nesse evento do quartinho ocorreu a mesma coisa. Nancy abriu a porta porque sentiu que havia algo de errado, mas jurou não ter ouvido os gritos histéricos da irmã mais nova e da amiguinha.

O curioso é que algum tempo depois, um erro parecido seria cometido e também com Nancy e Cindy envolvidas. Uma amiga das meninas chamada Katy era conhecida por "aprontar". Contrariando o que Lorraine Warren havia dito numa de suas visitas à casa, as três resolveram usar um tabuleiro Ouija para tentar entrar em contato e expulsar os espíritos da propriedade. Dessa vez a invocação foi ainda pior do que a anterior, pois as três ouviram um gemido sobrenatural se transformar num rugido sobrenatural. Dessa vez, não apenas sentiram uma presença, mas viram uma presença que as manteve presas por alguns minutos e tinha forma animalesca.

Carolyn, quando soube depois, ficou furiosa.

Anos depois, Cindy também admitiu que numa outra ocasião, ela também viu a aparição da mulher com o "pescoço quebrado" que atormentou sua mãe durante anos, embora esse não tenha sido o pior acontecimento que ocorreu com ela.

Certa vez, Sam, o amigo de Roger e Carolyn foi com a família passar o final de semana na casa dos Perron. Filme e pipoca garantiram a diversão das crianças. No entanto, para que as visitas ficassem bem acomodadas, as cinco irmãs foram dormir num único quarto. Por volta das três da manhã, Cindy acordou e viu uma massa parecida com uma nuvem negra pairando sobre Andrea. Parecia respirar junto com ela, como se estivesse sugando a energia da garota - de fato, no dia seguinte, Andrea acordou com a aparência um tanto cansada.

Cindy observou a aparição por alguns momentos e, quando se apoiou devagar nos cotovelos pra observar melhor, a massa se moveu em sua direção, como se tivesse percebido estar sendo observada. Cindy sentiu algo segurar seus tornozelos e a garota foi arrastada, aos gritos, pra fora do quarto. 

Ninguém acordou.

Quando começou a pedir para que Deus a ajudasse, subitamente o fenômeno parou. Cindy, chorando, percebeu que havia feito xixi no pijama e teve que reunir coragem para descer à lavanderia - onde também ocorriam acontecimentos assustadores - para buscar roupa limpa.

April era a caçula da família. Quando os Perron se mudaram para Harrisville em janeiro de 1971, ela tinha apenas cinco anos. Por ser a filha caçula, April passava bastante tempo brincando sozinha enquanto as suas quatro irmãs estavam na escola. Isso lhe dava acesso a todos os brinquedos.

Havia um pequeno cômodo no andar de cima ficava no mesmo lugar que uma chaminé, desativada anos antes dos Perron irem morar lá. Esse quartinho acabou sendo adotado por April e se tornou seu local favorito para brincar. Num certo dia, ela foi visitada por uma presença que já havia sentido ali havia algum tempo: o fantasma de um garotinho.

Num dos cantos do cômodo havia uma portinha. Foi de lá que o garotinho saiu. Ele abriu a porta cauteloso e parecia estar com muito medo. Antes de entrar, colocou a cabeça pra dentro e olhou pros lados, como se temesse alguém que poderia estar ali. April o recebeu com um sorriso. O garotinho entrou e se sentou no chão, a uma distância segura dela. Segundo a própria April, mais de trinta anos depois:


"O nome dele é Oliver Richardson. Ele nunca falou comigo, mas de alguma forma ele conseguia se comunicar sem falar. Ele me disse seu nome em silêncio, ou eu dei o nome a ele. Não consigo explicar como, mas sei que esse era seu nome. Ele estava sempre no andar de cima, no quarto da chaminé. Até onde sei, era ali que ele ficava e nunca ia pra outro lugar. Ele se esconde atrás da portinha. Sempre que eu subia para brincar, ele espiava pela portinha antes de entrar, como se pra saber se estaria a salvo. Ele saía hesitante, olhando ao redor de novo antes de sentar do meu lado no chão. Ele se sentia confortável comigo. Sei que sentia. De certa forma, nós confortávamos um ao outro. Ele nunca participava da minha brincadeira. Mesmo assim, ele pegava meus bonequinhos e olhava pra eles, fascinado. Ele os revirava nas mãos, os analisava de todos os ângulos. Quando ele ia embora, ele entrava no espaço entre as calhas, tão cuidadoso como quanto saía de lá., primeiro espiando dentro e depois olhando para trás, como se temesse estar sendo seguido. Eu sei que ele estava sempre escondido ali, com muito medo de algo. Não tenho certeza do que, ou mais precisamente, de quem. Ele nunca me revelou isso. O que ele compartilhava era o medo que fazia parte de sua existência. Ele morava ali há muito tempo e eu tenho certeza de que ainda está na casa, sozinho. Ele foi abandonado, esquecido há muito tempo. Eu sei, em meu coração, que sua vida foi trágica. Como eu era criança, podia sentir seu pavor, a dor em que ele estava e tudo o que eu podia fazer-lhe era companhia. Por que ele me escolheu, eu me sentia compelida a protegê-lo. Não contei isso a ninguém, exceto a Cathi e só muitos anos depois. Quando perdi minha inocência e mudei, por causa da idade, eu também o abandonei. Isso me causou tristeza e arrependimento através dos anos. Nancy deu (sem a permissão de ninguém) todos os brinquedos do quartinho pra uma família carente da vizinhança. Ela teve boas intenções, mas partiu meu coração chegar em casa um dia e ver todos os objetos da minha infância longe, como se eles nunca houvessem existido. Eu lamentei a perda e nunca mais voltei ao quartinho. Nancy não tinha idéia do que tinha feito. Ajudou generosamente os vivos, mas roubou de sua própria irmã o que restava de sua infância e, com isso, tirou de duas almas solitárias os brinquedos que ambos adoravam e dividiram. Eles eram tudo o que Oliver tinha e então foram embora. Eu era tudo o que Oliver tinha e fui embora. Ele me perdeu e eu o perdi. Quando estava mais velha e me mudei pro quarto do meio, ele de vez em quando abria a porta do quartinho e espiava, pra que eu soubesse que ele estava ali e eu o ignorava. Quando eu cresci mais, de vez em quando ele olhava pro quarto de Nancy, do mesmo quartinho. Nós já éramos adolescentes e fazíamos coisas de adolescentes. Eu percebia que ele me olhava ocasionalmente, por uma fresta da porta. Era nessas visitas que seu semblante triste se transformava numa expressão de incerteza, decepção e desdém quando eu não o reconhecia. Nenhuma das minhas irmãs o via, então eu o ignorava. Não sei bem porque. Acho que é por que ele representava uma época da minha vida que já havia passado. Ele estava preso na idade da inocência que nós compartilhamos, destinado a ficar assim para sempre, uma época que eu queria de volta, mas nunca conseguiria. Eu sentia com certeza de que a vida do garoto que eu conhecia como Oliver Richardson foi interrompida com alguma forma violenta, abuso ou negligência. A verdade dolorosa é que sua breve vida foi terrível, mas a verdadeira tragédia foi seu eterno cativeiro. Ele continua prisioneiro em uma casa que oferece a ele nada além de medo, solidão e isolamento. Eu conheço o sentimento e sei que ele continua como uma vítima em sua morte. Eu ainda lamento a perda dele e sempre lamentarei."


Uma impressão que eu já havia tido com o primeiro livro e que, de certa forma, confirmei com o segundo é que não se tratava apenas de uma casa mal-assombrada. Quer dizer, é isso também, mas por se tratar de uma propriedade construída nos anos de 1700's, a quantidade de eventos humanos - leia-se mortes e sofrimento - é incalculável.

A própria Andrea sempre menciona em palestras e entrevistas que se trata de um portal interdimensional. Alguns relatos na segunda metade do livro de fato corroboram essa idéia, por mais inacreditáveis que possam parecer.

Um elogio que eu faço com relação à narrativa dela é que ela nunca afirma saber a verdade absoluta. Todo o conhecimento que ela adquiriu vivendo os dez anos na casa ela admite como teorias. Ela mesma admite que não sabe tudo.

A meu ver, esse foi o erro de Ed e Lorraine Warren, segundo os relatos de Andrea. Ela reitera - várias, várias e várias vezes - que o casal tinha as melhores intenções quando se aproximou da família oferecendo ajuda. Particularmente, eu nem duvido muito disso, mas as ações deles também me deram margem pra dúvida. A impressão que eu tive é que o casal queria usar o caso também pra alavancar as próprias carreiras de investigadores paranormais. Um tempo depois da primeira visita que fizeram à casa, pessoas estranhas e curiosos vez ou outra batiam na porta dos Perron - você sabe como as pessoas conseguem ser estúpidas quando querem. Isso se deu ao fato de que o casal Warren passou a mencionar o caso da família Perron em suas palestras, dando detalhes sobre o endereço do local.

Além disso, quando ocorreu a sessão espírita que quase custou a vida de Carolyn, os Warren levaram para a casa toda uma equipe técnica, a fim de filmar - segundo eles, documentar - o evento. Também é preciso salientar que a tal sessão foi feita sem o consentimento de Roger e Carolyn. Os Perron simplesmente chegaram na casa um certo dia e foram entrando.


Como eu disse no começo desse texto, o volume 2 tem os mesmos problemas do volume 1 - sobretudo no primeiro 1/3 do livro - mas a força da história sustenta o livro.


Texto sobre o Volume 3, clique aqui.