(texto sobre o Volume 1, aqui)
(texto sobre o Volume 2, aqui)
Eles estão entre nós? Ou estão em algum outro plano, no qual apenas uma menor parte da população tem a sensibilidade para vislumbrar?
Talvez seja um pouco dos dois.
Talvez seja um pouco de tudo.
Faz dois meses que terminei de ler os três livros que contam a incrível história real da Família Perron que, entre 1971 e 1980 residiu numa propriedade mal-assombrada em Harrisville, estado de Rhode Island no nordeste dos Estados Unidos.
A grande maioria das pessoas que ouviu falar dessa história pela primeira vez o fez através do filme de James Wan, Invocação do Mal (2013). Eu mesmo estou entre essas pessoas. Mesmo tendo curiosidade em conhecer mais sobre a verdadeira história (o filme cobre, digamos 1%, além de mudar uma série de coisas), só vim a adquirir os livros no final de 2020.
E sim, a história é muito mais intensa e profunda do que o filme conseguiu mostrar.
Primeiro porque não se trata apenas de uma casa mal assombrada. Toda a propriedade - e provavelmente algumas adjacentes - parece ter a energia acumulada de gerações e gerações de pessoas que viveram e morreram ali. Numa conversa breve com Andrea Perron, por email, eu mencionei pra ela uma diferença básica entre os Estados Unidos e o Brasil nessa questão: nós temos poucas construções com mais de cem anos de idade, apesar de serem países com idade relativamente parecida. Lá, sobretudo na região da Nova Inglaterra, muitas casas remetem aos anos 1800. A própria casa dos Perron em Harrisville foi construída muito antes disso, na década de 1730.
Por mais que muitos ditos especialistas no assunto afirmam ter pleno conhecimento sobre esse tipo de coisa, a verdade é que não sabemos nada. Talvez nunca venhamos a saber.
Talvez não devamos saber.
Quando eu falo "ditos especialistas" também estou incluindo aí os famosos Ed e Lorraine Warren. Na verdade, em muitas áreas, qualquer pessoa que se rotule especialista em alguma coisa está sempre sob o risco de agir com arrogância em algumas situações. É preciso muito preparo mental pra não cair nessa armadilha. Agir com segurança nem sempre deve estar atrelado à prepotência de se achar que se está sempre certo.
Se não fosse por isso, talvez eles não tivessem organizado a desastrosa sessão espírita que ocorreu em 1973 na casa dos Perron. Por mais que uma parte das intenções do casal de investigadores paranormais fosse nobre, é inegável que eles também queriam usar o caso pra ajudar a alavancar suas carreiras.
Depois de tomar conhecimento do caso em Harrisville e de fazer uma primeira visita de reconhecimento do terreno, Ed e Lorraine começaram a citar a família em algumas palestras que davam na época, o que causou um interesse mórbido de pessoas estranhas que iam, de tempos em tempos, incomodar os Perron. Carolyn ficou furiosa e decepcionada, já que no desespero havia depositado nos Warren suas últimas esperanças de resolver o problema na casa.
Humanos são sempre humanos, afinal.
E algumas vezes o buraco é mais embaixo, como diz a frase popular.
Não se tratava apenas de uma casa mal assombrada, como já disse. Em toda a imensa propriedade (descrita por Andrea como tendo 200 acres, o que dá mais de 800 mil metros quadrados) não era raro que uma das meninas, ou mesmo Roger, se perdessem enquanto passeavam pelo terreno. Um lugar grande o suficiente pra horas de caminhada também poderia ser assustador na mesma proporção.
Nancy, a segunda filha mais velha dos Perron, se perdeu em uma ocasião. Vez ou outra ela gostava de pescar no riacho que corta a propriedade pra pescar e certa vez ficou desorientada ao procurar o caminho de volta para casa. Não iria adiantar gritar por ajuda; ninguém iria ouvi-la àquela distância.
Perdida, Nancy sentiu um chamado vindo da floresta, da direção oposta à que ela imaginava ser o caminho para casa. Uma atração familiar e impossível de ser ignorada. Mesmo sabendo não ser o caminho certo, Nancy foi na direção do chamado até que ela se deparou com uma família inteira vivendo numa casa numa clareira. Pai, mãe e três crianças. Nancy sentiu como se fizesse parte daquela família. Momentos depois, a casa desapareceu e Nancy se viu sozinha de novo. Fascinada, a garota foi até o local onde a casa estava e se viu nas ruínas de um porão, que provavelmente fazia parte de uma casa já há muito demolida. Quando chegou ao grande buraco no chão, Nancy sentiu uma forte vertigem e uma força que aparentemente a empurrava pra dentro. A garota se virou e correu, sentindo uma presença atrás dela. Nancy chegou em casa e não contou a ninguém o acontecido... até trinta anos depois, quando Cindy, a mais "sensitiva" das irmãs Perron, lhe contou que passou por uma experiência idêntica no mesmo local na época.
Nenhuma das duas contou à ninguém na época porque Carolyn sempre as advertira sobre andarem sozinhas na floresta. No entanto, o medo de Carolyn era relacionado aos perigos naturais de se viver em meio à natureza. Provavelmente nos primeiros anos ela não fazia idéia de que o grande terreno podia ser tão assombrado quanto a casa em si. Nancy e Cindy nunca mais voltaram às ruínas do velho porão... não sozinhas, pelo menos.
April, a caçula, também via constantemente espíritos antigos na floresta. Na maioria das vezes, se tratavam de fantasmas de nativos americanos, mas ela também via vez ou outra o "pai e filho" que também eram vistos ocasionalmente no topo da escada que levava ao quarto de Andrea. April os via no rio que cortava a propriedade. Era de conhecimento documentado de que um antigo morador do local, Sr. Baker, havia morrido afogado naquele rio, assim como seu filho, dez anos depois.
Várias vezes é mencionado dos livros que a maior concentração de acontecimentos sobrenaturais vinha do porão da casa. Mesmo Lorraine Warren, já na primeira visita, sugeriu que eles lacrassem aquele cômodo.
Numa determinada noite, a família estava reunida na sala para assistir ...E o Vento Levou. O que era pra ser um momento de paz mudou subitamente quando um som assustador veio do porão, alto o suficiente para fazer as tábuas do assoalho vibrarem e os cachorros latirem sem parar. Todos se assustaram. Carolyn desligou a TV. Roger se levantou imediatamente. Foi até a porta do porão, a abriu e desceu as escadas. Apreensivas, as mulheres da casa esperaram. Momentos depois, Roger voltou. Carolyn, que já havia presenciado atividades paranormais suficientes desde que se mudaram para Harrisville, reconheceu que algo havia acontecido a Roger no porão. Ele se limitou a dizer que a enorme e pesada porta de carvalho que havia lá embaixo, que dava acesso a outro cômodo, havia sido arrancada das dobradiças e tinha sido arremessada a vários metros de distância.
Mesmo muitos anos depois, durante a concepção dos livros, quando perguntado por Andrea se havia visto mais alguma coisa no porão naquela noite, Roger apenas respondia "nada" e encerrava o assunto.
Houve outras duas ocasiões em que o som alto o suficiente para fazer tremer a casa veio do porão. Era algo como uma trombeta. Na segunda vez, ocorreu após uma discussão entre Carolyn e Roger. Novamente ele desceu as escadas até lá, furioso. Quando voltou, Carolyn colocou as meninas, assustadas, na cama e resolveu discutir o assunto com ele.
- O que aconteceu lá embaixo?
- Aquela vadia...
- Você a viu?
- Não, mas ela me tocou. Nas minhas costas, meus ombros, meu pescoço...
- Onde você estava quando ela tocou em você?
- Na porta dos fundos do porão e depois no final da escada, começando a subir de volta.
- Roger, você não entende? Ela te chamou lá embaixo.
- Você não pode ter certeza disso. Não tem nada lá embaixo. Nada. Eu olhei em toda parte.
- Então nada te tocou?
- Eu não sei o que me tocou.
Eles estavam se referindo à entidade que assombrava o porão - provavelmente a mesma que fez Lorraine Warren dar o alerta sobre o local.
Em diversas ocasiões, quando Roger descia até lá pra pegar alguma coisa ou fazer algum reparo, ele a sentia. Sentia sua presença assim como, muitas vezes, seu toque. Carolyn achava que se tratava de Bathsheba Sherman. Já Roger tinha como palpite que poderia ser o fantasma da Sra. Arnold, a velhinha que se suicidara no celeiro décadas antes.
No total, o som vindo do porão ocorreu em três ocasiões nos quase dez anos que a família Perron morou em Harrisville. Em todas, Roger estava em casa.
*******
- Carolyn, porque não me disse que essa casa era mal-assombrada?
A pergunta veio numa manhã do verão de 1976, da boca de Frankie, irmã de Carolyn. Ela e a família haviam passado a noite na casa dos Perron; estavam visitando Harrisville pela primeira vez.
- Oh Meu Deus! O que aconteceu?
- Alguma coisa estava parada ao lado da cama, nos encarando e depois se abaixou e puxou as cobertas até nossos pés.
Um pouco depois, no mesmo dia, Roger desceu ao porão junto com Guy, marido de Frankie. Dessa única vez foi Guy quem sentiu o toque do espírito feminino que assombrava a casa.
Em outubro de 1973, em uma noite negra e tempestuosa, Ed e Lorraine Warren chegaram à casa dos Perron. Roger fez questão de estar fora de casa na ocasião, cético que ainda estava, deixando Carolyn e as meninas sozinhas para receberem o casal de investigadores paranormais.
Lorraine aparentemente percebeu desde o início o motivo da ausência de Roger. Carolyn mandou as meninas para seus quartos, pra que fizessem a lição de casa e ficou a sós com os Warren, pra ter certa liberdade em contar tudo que fosse possível sobre os eventos na casa.
Antes de irem embora, Lorraine pediu a Carolyn autorização para andar pelos cômodos do andar de baixo. Quando chegou na porta do quarto do casal - que ficava imediatamente sobre o porão da casa - Lorraine parou e disse que ninguém deveria dormir ali. Carolyn disse que ela e Roger estavam planejando mesmo mudar de quarto, irem pra um outro cômodo da casa.
Algumas semanas depois, Carolyn conseguiu convencer Roger a receber os Warren, na segunda visita do casal à propriedade. Ed e Lorraine também pediram pra entrevistar as garotas. Todos se reuniram na sala e Lorraine colocou um gravador sobre a mesa de centro.
Ed: Todos sabem porque estamos aqui esta noite?
Nancy: Pra falar sobre os nossos fantasmas.
Ed: Por que você os chama de seus fantasmas?
Nancy: Porque eles são nossos se estão vivendo na nossa casa.
Chris: Eles não estão vivendo mais.
Nancy: Você me entendeu. Eles certamente parecem vivos.
Cindy: Eles não sabem que é a nossa casa.
Ed: Como assim?
Cindy: Era a casa deles antes e eles ainda acham que é.
Ed: Como você sabe?
Cindy: Eles me dizem.
Ed: Quando eles falam com você?
Cindy: O tempo todo.
Ed: Como eles falam com você?
Cindy: Dentro da minha cabeça... pela minha testa e nos meus ouvidos. Eu os ouço quando eles vêem à noite, quando as vozes me falam sobre os sete soldados mortos na parede.
Ed: Pode me contar mais?
Cindy: Eu sempre soube que havia um lugar secreto no meu quarto desde que a gente se mudou. Eu simplesmente sabia. Alguém colocou aquela parede muito tempo atrás, mas eu sei que eles estão atrás dela.
Ed. Como você sabe?
Cindy: Eles dizem. E eu os sinto. Quando os espíritos vem à noite, eles falam ao mesmo tempo, as mesmas palavras. É meio assustador. No começo era difícil de entender, parecia um quebra cabeças de palavras. Eles falavam juntos e pareciam muito distantes. Mas ficou mais fácil de ouvir quando eles ficaram mais perto de mim. Eu fiquei muito assustada, mas agora é mais fácil de ouvi-los. Agora parece mais como uma única voz, falando a mesma coisa. Eu odeio quando eles vêm no quarto tarde da noite e chegam perto de mim. O ar fica muito frio, mesmo no verão... e eles fazem meu quarto feder!
Ed: Com que frequência isso acontece, Cindy?
Cindy: Não sei... o tempo todo. É horrível quando eles estão no quarto, mas costumam ir embora quando deixam... aquele cheiro. Quando falam, falam tão alto. Parecem tantos deles...
Ed: O que eles falam exatamente pra você?
Cindy: "Há sete soldados mortos enterrados na parede".
Ed. Algo mais?
Cindy: Somente isso. Nunca é diferente. Então eles me acordam de propósito e falam de novo. Depois de um tempo, começa a parecer uma canção. Eles não estão nem aí se eu vou ter prova no dia seguinte. Eles me acordam, de propósito.
Ed: Eles só aparecem à noite?
Cindy: Esses só aparecem à noite..
Ed: Isso acontece há quanto tempo?
Cindy: Desde que a gente se mudou, acho. Ou um pouco depois. Sempre.
Ed: Com que frequência eles aparecem pra você?
Cindy: Quase toda noite.
Carolyn: Porque nunca me contou isso?
Cindy: Eu contei, muito tempo atrás... da primeira vez. Além disso, não me assusta mais como costumava assustar, mãe. Eu cubro minha cabeça e volto a dormir. Chris dorme no mesmo quarto que eu, então ajuda não estar sozinha. Ela nem os ouve, mesmo se estiver acordada. Eles só aparecem pra mim, mas ela sabe quando acontece, porque eu cubro a cabeça com um travesseiro, pra não ouvi-los. Chrissy fica brava com eles, porque ela também não consegue falar comigo..
Ed: Cindy, mais uma pergunta: Você disse que esses espíritos aparecem pra você à noite. O que quis dizer? Que há outros?
Cindy: Os outros aparecem quando a luz fica estranha no meu quarto. Aquela luz bonita depois do pôr-do-sol. Como você a chama, mãe?
Carolyn: Crepúsculo.
Cindy. É isso. É quando o espírito que me ama aparece e é quando eu vejo a menininha que chora pela mãe.
Ed: Que menininha?
Cindy: A gente achava que eram duas meninas, porque ela aparece com duas roupas diferentes, um de quando está doente e outra de quando está bem. Ela é tão solitária. É muito triste. Me faz chorar também.
Ed: Cindy, Quem é o espírito que te ama?
Cindy: Eu não sei. Ela apareceu quando a luz estava esquisita no meu quarto. Ela veio do closet... então flutuou sobre mim, ao mesmo tempo em que falou comigo dentro da minha cabeça. Aqui... bem na testa. Eu estava na bolha. Ficou frio e barulhento e o chão tremeu. O quarto cheirou tão mal quando ela estava lá. Então ela estendeu os braços, mas não tinha mãos e nem pés. Eu não conseguia me mover. Ela se inclinou sobre mim e me beijou ou me abraçou. Ela queria me tocar. Me falou pra ir com ela. Então eu consegui me libertar e corri pra minha mãe. Eu caí na escada, estava correndo tão rápido. Estava com medo demais. Ela não me machucou, mas é tão feia. Não tinha rosto e eu acho que o pescoço dela estava quebrado. O espírito realmente me ama, mas não quero ir com ela, nunca quis.
Ed: Cindy, O que quis dizer? Você se libertou... do que?
Cindy: Dela. Ela me colocou na bolha. Eu acho que é por causa da luz. É a hora em que nossos mundos são um só.
Tensa, Carolyn forçou uma pausa na entrevista. Era hora de Café e bolo para os convidados. As meninas foram para a cozinha Ajudar Andrea a preparar as coisas. Os Perron e os Warren aproveitaram para conversar entre si.
Numa visita seguinte, os Warren pediram para dar uma verificada nos cômodos do andar de cima. As meninas contaram sobre Manny, o espírito que viram no dia em que se mudaram. Depois de presenciar uma porta se destrancar a abrir lentamente sozinha, Lorraine perguntou a Carolyn sobre o que havia naquele quartinho colado à chaminé. April começou a agir de forma estranha, como se quisesse impedir os visitantes de entrar ali. Lorraine percebeu e agiu de forma indulgente com a menina.
Antes de ir embora, Os Warren sugeriram realizar uma sessão espírita na casa, em breve.
Carolyn considerou a oferta, mas tinha medo de ir longe demais. Algum tempo depois, contou sobre os Warren a sua amiga Fran, assim como a intenção do casal em realizar uma sessão espírita na casa.
Fran: Toma cuidado, Carolyn. É aquilo que dizem, "o inferno está cheio de boas intenções". Talvez os Warren não consigam cumprir o que prometem.
Carolyn: Pensei nisso também.
Fran: Você sabe o que acontece numa sessão espírita?
Carolyn: Só o que o que já li ou vi em filmes. Ficção.
Fran: A menos que você tenha experimentado, você não faz idéia...
Carolyn: Você já?
Fran: Já.
Carolyn: Me conta. Nada de segredos.
Fran: Eu participei de uma sessão espírita e nunca mais vou fazer isso de novo.
Carolyn: Foi na sua casa?
Fran: Não. No meu vizinho. O grupo quis fazer na minha casa também. Fanáticos. Aquela gente não fazia idéia do que estavam fazendo. O poder profano com o qual eles estavam liidando... aquilo me assustou. O que eles libertaram...
Carolyn: Que diabos aconteceu?
Fran: O inferno aconteceu. O inferno na terra.
Carolyn: Jesus, Fran!
Fran: Jesus não tinha nada a ver com aquilo. Ele nem estava lá. Se estivesse, ele teria ficado tão aterrorizado quanto eu fiquei. Nunca mais, Carolyn. Eu falei para aqueles idiotas que preferia conviver com os mortos.
Carolyn: Não me diga que foram os Warren.
Fran: Não. Uns moleques se metendo a entendidos no assunto.
Carolyn: Me conta o que aconteceu.
Fran: Você não quer saber.
Carolyn: Eu quero. Preciso saber.
Fran: Tudo que posso dizer é que era preciso fazer contato com os espíritos pra que eles fossem embora e foi feito contato... não apenas com os espíritos. Uma porta foi aberta naquela noite, uma que eles não conseguiriam fechar, porque não tinham idéia como.
Carolyn: Como convidar o diabo pra que entrasse em casa?
Fran. Exatamente assim.
Carolyn: Parece perigoso. Mas eu não acredito no diabo.
Fran: Carolyn, não importa como você o chame, existe mal no mundo.
Carolyn: Eu sei. Eu só não engulo toda a propaganda dos chifres e tridente que a Igreja tenta nos enfiar goela abaixo.
Fran: O mínimo de conhecimento já é perigoso.
Fran: Não vou te dizer pra não fazer isso. A decisão é sua. Só vou te dizer que o que eu vi não era desse mundo. Era o mal puro. Veio por ter sido convidado e nunca foi embora daquela casa. Os donos é que foram embora. Há coisas que nós não compreendemos e nunca iremos compreender, não nessa vida. A ignorância é muito perigosa. As pessoas que acham que sabem o que estão fazendo são as mais perigosas. Acreditar na crença dos outros pode ser nocivo à saúde. Antes de fazer algo com relação ao seu problema, tenha certeza que sabe o que está fazendo e o que eles planejam fazer. Não torne as coisas piores. Me prometa isso.
Carolyn: Eu prometo. Eu já disse a eles que não quero fazer.
Fran: Ótimo.
Nesse meio tempo, algo estranho começou a acontecer. Os Perron começaram a ser visitados por pessoas desconhecidas. Curiosos. Carolyn começou a ficar preocupada com a segurança de suas filhas e foi atrás de informações. A resposta acabou sendo um banho de água fria na empolgação inicial que ela havia sentido com os Warren: o casal estava mencionando a propriedade da família Perron em algumas palestras, dando detalhes sobre a localização da casa. Carolyn se sentiu traída, sobretudo por Lorraine.
Quase desde o começo dos eventos ocorridos na casa, Carolyn foi a mais afetada, inclusive fisicamente. Sentia frio o tempo todo. Cansaço. Muitas vezes passava o dia deitada. Tanto Roger quanto as meninas repararam na perda de peso dela. Depois, quando começou a pesquisar sobre o passado da propriedade, Carolyn também entrou numa espécie de fascinação mórbida pela casa. Mesmo os hábitos de vestimentas dela começaram a se alterar. Carolyn passou a usar roupas num estilo mais antigo e algumas palavras de seu vocabulário remetiam a expressões de outros tempos.
Preocupada, Andrea contou isso a Lorraine durante um dos ocasionais telefonemas da Sra. Warren.
Carolyn disse a Lorraine que não gostaria de realizar a sessão espírita. Lorraine insistiu, usando - de forma cruel, talvez - as meninas como justificativa. "Por favor, dê a atenção devida a isso. Se não por você mesma, então por suas filhas. Não acha que elas já conviveram com isso por tempo demais?".
Lorraine convenceu Carolyn a reconsiderar a decisão. Esta, por sua vez, disse a Roger, que concordou, embora totalmente a contragosto. No entanto, tudo indicava que apenas Ed e Lorraine participariam da sessão. Quando chegou o dia, três veículos entraram no quintal, ao anoitecer.
Roger ficou furioso e Carolyn, confusa, mandou as meninas pro andar de cima. Lorraine, por sua vez, tentou argumentar com Roger.
Muitos anos depois, enquanto dava seu depoimento para a escrita do livro, Carolyn afirma não ter quase nenhuma memória daquela noite depois desse ponto.
Na outra sala, através de uma brecha na porta, Andrea e Cindy assistiam a tudo, escondidas.
Carolyn começou a chorar em silêncio, enquanto Roger ainda tentava convencer os Warren a não fazer a sessão na casa. Usava o argumento de que Carolyn estava muito fraca.
Junto com os Warren, chegaram uma médium e uma equipe da universidade, com o objetivo de documentar a sessão espírita. Carolyn começou a ficar letárgica e Roger cada vez mais furioso.
Carolyn batia os dentes de frio.
Vendo que Carolyn não parecia responder, Lorraine pediu aos outros para que a ajudassem a sentar à mesa. A sessão iria começar.
Enquanto Cindy e Andrea assistiam através da fenda na porta, um vento começou a soprar na sala onde estavam os adultos. Cindy reconheceu a sensação; já havia passado por aquilo num dos aposentos mais assombrados da casa algum tempo antes.
Carolyn ergueu a cabeça e começou a murmurar palavras incoerentes. A médium perguntou quem estava lá com eles. Carolyn começou a emanar uma voz que não era dela. Os punhos cerraram, com as unhas quase entrando na carne das mãos. O corpo começou a se encolher entre si, retorcer, até que formava praticamente o formato de uma bola.
Um som gutural saiu da garganta da mulher, como um animal prestes a atacar.
Na outra sala, Andrea sentiu que ia desmaiar.
Carolyn foi tomada por uma espécie de energia negra.
Palavras primitivas continuavam saindo dela. Sons impossíveis da voz humana reproduzir. Sua cabeça foi puxada para trás, com força suficiente pra lhe quebrar o pescoço. E cada grito de Carolyn parecia ser mais alto que o anterior.
Foi Roger, mais apavorado do que já esteve em toda a sua vida, quem resolveu dar um fim ao espetáculo. Gritou que parassem e a cadeira em que Carolyn estava levitou... e foi arremessada, junto com a mulher, ao outro lado da sala. A pancada dela no chão foi tão forte que todos ouviram o ar sair de seus pulmões.
Roger correu até ela. Ed foi atrás, tentando segurar Roger, mas este deu um soco em Ed, que caiu no chão.
Roger carregou Carolyn até o sofá.
Um som repentino sacudiu a casa, vindo do porão. Som de coisas quebrando. Roger sacudia Carolyn para que voltasse.
Aos gritos, Roger expulsou os visitantes da casa. Ao se virar, Ed descobriu Andrea e Cindy. Mandou que as duas subissem.
Os técnicos desceram até o porão e encontraram todo o equipamento de áudio e video destruído.
Carolyn levou semanas pra se recuperar e aparentemente não se lembrava de nada naquela noite. Roger a culpou por todo o ocorrido.
Com o tempo, a obsessão de Carolyn com a história da casa cessou. A preocupação dela passou a ser lidar com tudo o que acontecia. E, mesmo depois da sessão, muita coisa ainda acontecia na casa.
Depois de um dia particularmente ruim, Carolyn subiu até o quarto de uma das meninas, pra tentar descansar. Enterrou o rosto no travesseiro e ouviu a trinca do closet se abrir. Em seguida, ouviu passos pelo quarto e em seguida, o som da cadeira de balanço de um lado pro outro. Quando olhou pra ver qual das meninas era, Carolyn viu a cadeira vazia... mas ainda balançando. Ela sabia que quem quer que estivesse ali - ela tinha certeza se tratar de uma mulher - estava zelando por ela.
Os anos passaram. As meninas cresciam. Andrea se formou no colégio. E Roger e Carolyn ficavam cada vez mais distantes.
Em 1979, Carolyn convenceu Roger de que eles precisavam se mudar. Ela disse que não conseguiria sobreviver mais um inverno ali. Ele acreditou nela.
Quando se mudaram, Nancy ficou pra trás, incapaz de deixar a casa. Iria cuidar da propriedade até que os novos donos se mudassem.
Não muito tempo depois de se mudarem, Roger e Carolyn se separaram.
Apesar dos problemas editoriais da trilogia de livros, é inegável que é uma história extremamente interessante. Embora eu tenha dado muitos spoilers aqui - não gosto de fazer isso - acontecem muitas outras coisas durante os dez anos da família Perron em Harrisville. Tanto que é impossível, mesmo pra mim, que terminei de ler há pouco tempo, me lembrar de todos. Se trata de uma jornada estranha, comovente, reveladora e, muitas vezes assustadora.
(admito que me afetou de forma pessoal em momentos em que, digamos, eu tenho que levantar da cama à noite pra ir ao banheiro)
Depois de conversar brevemente com Andrea por email, percebi que dificilmente a trilogia sairá aqui no brasil num futuro próximo. Ela me disse que o livro não foi traduzido para outras línguas por uma questão de custo. Pessoalmente, eu acho que seria viável uma versão condensada, talvez em dois livros - isso seria totalmente possível, além de dar um ritmo melhor à narrativa.
Tomara que isso aconteça um dia.
Site oficial da trilogia:
Canal de Andrea Perron no YouTube:
Andrea Perron: Entrevista com Legendas
Andrea Perron: palestra com legendas
A casa, por dentro - com trechos de investigação paranormal