(resenha do primeiro livro você encontra neste link)
O segundo volume da trilogia House of Darkness, House of Light, da americana Andrea Perron, tem exatamente os mesmos problemas e virtudes do primeiro livro: a falta de linearidade nos eventos narrados e a excessiva repetição de algumas afirmações durante a leitura. Do meu ponto de vista de leitor, isso atrapalhou um pouco, sobretudo no primeiro terço do livro. O ritmo é quebrado muitas vezes por conta dessas repetições desnecessárias. Em mais de uma ocasião enquanto lia a primeira metade, pensei em desistir da leitura.
Quanto à principal virtude - há outras, mas essa é a mais evidente - é a história em si, que conta sobre os dez anos em que a família Perron morou em uma casa "mal-assombrada" durante a década de 70, em Harrisville, Rhode Island, no nordeste dos Estados Unidos.
O fato da história ser tão interessante foi o que me manteve fiel à leitura até o final e, embora eu tenha usado a expressão "mal-assombrada" no parágrafo acima, o relato de Andrea nos leva a crer que se trata de muito mais do que isso. Eu já havia tido essa impressão durante a leitura do primeiro volume, o que aumentou ainda mais depois de ler a segunda parte.
É nesse volume que entra em cena o casal Ed e Lorraine Warren, investigadores paranormais que ficaram famosos por investigar alguns dos casos mais conhecidos no Século XX como o de Amityville e o de Enfield, na Inglaterra. Na verdade, o que é contado no livro mudou bastante a minha percepção sobre eles... pra pior!
O primeiro terço do livro foca bastante nas experiências de Cindy, a segunda filha mais nova. Das cinco, ela é a que mais tinha essa sensibilidade com relação aos eventos paranormais que ocorriam na casa. Não obstante, era a mais "corajosa" das meninas. Impetuosa também. Esse aspecto em particular lhe trouxe alguns problemas, somados à curiosidade da garotinha.
Foi Cindy que, desde a primeira semana vivendo lá, ouvia constantemente vozes perto de sua cama dizendo "há sete soldados mortos enterrados naquela parede", assim como também era ela quem mais via o fantasma de uma garotinha chorando pela mãe. O curioso nesse caso é que as roupas que a garotinha parecia vestir às vezes eram diferentes, como se cada aparição fosse de um determinado momento diferente da vida dela antes de morrer. Cindy às vezes chorava, comovida pela tristeza da garotinha. Como muitas vezes ela percebia que seus brinquedos estavam em lugares diferentes dos que havia deixado quando saía e depois voltava do quarto, Cindy supôs que fosse a menininha que estivesse brincando com eles. Resolveu que não se importaria com isso, sentindo compaixão pela criança-fantasma.
Mesmo estando relativamente acostumada aos acontecimentos paranormais na casa, não podemos esquecer que nos primeiros anos lá, Cindy era uma criança. Crianças cometem muitos erros antes de aprenderem certas lições.
Dois anos e meio depois de chegarem na casa, Cindy estava com dez anos. Uma de suas amiguinhas sabia de algumas coisas que aconteciam na casa e sentia medo quando estava lá. Cindy ouviu uma amiga de sua irmã mais velha mencionar algo que havia lido num livro sobre ocultismo, algo que se chamava sessão espírita. Muito corajosa - isso temos que admitir - Cindy chamou a amiguinha para fazerem sua própria sessão, para tentar afastar os muitos espíritos que estavam na casa.
Grande erro.
Trancadas num dos quartinhos em que mais ocorriam fenômenos, as duas tentaram entrar em contato... apenas para, segundos depois, serem derrubadas no chão e terem seus cabelos puxados por uma força invisível, que as manteve presa ali por alguns minutos, oprimindo as duas, que gritavam em desespero e juravam em voz alta nunca mais fazer aquilo.
Algum tempo depois, Nancy abriu a porta do quartinho e libertou as duas.
Um aspecto peculiar é que quase sempre que alguém na casa passava por uma experiência mais forte, algo impedia que as pessoas que estavam em outros cômodos ouvissem qualquer coisa de anormal. As meninas passaram a usar a expressão "estar na bolha" pra descrever o acontecimento. Nesse evento do quartinho ocorreu a mesma coisa. Nancy abriu a porta porque sentiu que havia algo de errado, mas jurou não ter ouvido os gritos histéricos da irmã mais nova e da amiguinha.
O curioso é que algum tempo depois, um erro parecido seria cometido e também com Nancy e Cindy envolvidas. Uma amiga das meninas chamada Katy era conhecida por "aprontar". Contrariando o que Lorraine Warren havia dito numa de suas visitas à casa, as três resolveram usar um tabuleiro Ouija para tentar entrar em contato e expulsar os espíritos da propriedade. Dessa vez a invocação foi ainda pior do que a anterior, pois as três ouviram um gemido sobrenatural se transformar num rugido sobrenatural. Dessa vez, não apenas sentiram uma presença, mas viram uma presença que as manteve presas por alguns minutos e tinha forma animalesca.
Carolyn, quando soube depois, ficou furiosa.
Anos depois, Cindy também admitiu que numa outra ocasião, ela também viu a aparição da mulher com o "pescoço quebrado" que atormentou sua mãe durante anos, embora esse não tenha sido o pior acontecimento que ocorreu com ela.
Certa vez, Sam, o amigo de Roger e Carolyn foi com a família passar o final de semana na casa dos Perron. Filme e pipoca garantiram a diversão das crianças. No entanto, para que as visitas ficassem bem acomodadas, as cinco irmãs foram dormir num único quarto. Por volta das três da manhã, Cindy acordou e viu uma massa parecida com uma nuvem negra pairando sobre Andrea. Parecia respirar junto com ela, como se estivesse sugando a energia da garota - de fato, no dia seguinte, Andrea acordou com a aparência um tanto cansada.
Cindy observou a aparição por alguns momentos e, quando se apoiou devagar nos cotovelos pra observar melhor, a massa se moveu em sua direção, como se tivesse percebido estar sendo observada. Cindy sentiu algo segurar seus tornozelos e a garota foi arrastada, aos gritos, pra fora do quarto.
Ninguém acordou.
Quando começou a pedir para que Deus a ajudasse, subitamente o fenômeno parou. Cindy, chorando, percebeu que havia feito xixi no pijama e teve que reunir coragem para descer à lavanderia - onde também ocorriam acontecimentos assustadores - para buscar roupa limpa.
April era a caçula da família. Quando os Perron se mudaram para Harrisville em janeiro de 1971, ela tinha apenas cinco anos. Por ser a filha caçula, April passava bastante tempo brincando sozinha enquanto as suas quatro irmãs estavam na escola. Isso lhe dava acesso a todos os brinquedos.
Havia um pequeno cômodo no andar de cima ficava no mesmo lugar que uma chaminé, desativada anos antes dos Perron irem morar lá. Esse quartinho acabou sendo adotado por April e se tornou seu local favorito para brincar. Num certo dia, ela foi visitada por uma presença que já havia sentido ali havia algum tempo: o fantasma de um garotinho.
Num dos cantos do cômodo havia uma portinha. Foi de lá que o garotinho saiu. Ele abriu a porta cauteloso e parecia estar com muito medo. Antes de entrar, colocou a cabeça pra dentro e olhou pros lados, como se temesse alguém que poderia estar ali. April o recebeu com um sorriso. O garotinho entrou e se sentou no chão, a uma distância segura dela. Segundo a própria April, mais de trinta anos depois:
"O nome dele é Oliver Richardson. Ele nunca falou comigo, mas de alguma forma ele conseguia se comunicar sem falar. Ele me disse seu nome em silêncio, ou eu dei o nome a ele. Não consigo explicar como, mas sei que esse era seu nome. Ele estava sempre no andar de cima, no quarto da chaminé. Até onde sei, era ali que ele ficava e nunca ia pra outro lugar. Ele se esconde atrás da portinha. Sempre que eu subia para brincar, ele espiava pela portinha antes de entrar, como se pra saber se estaria a salvo. Ele saía hesitante, olhando ao redor de novo antes de sentar do meu lado no chão. Ele se sentia confortável comigo. Sei que sentia. De certa forma, nós confortávamos um ao outro. Ele nunca participava da minha brincadeira. Mesmo assim, ele pegava meus bonequinhos e olhava pra eles, fascinado. Ele os revirava nas mãos, os analisava de todos os ângulos. Quando ele ia embora, ele entrava no espaço entre as calhas, tão cuidadoso como quanto saía de lá., primeiro espiando dentro e depois olhando para trás, como se temesse estar sendo seguido. Eu sei que ele estava sempre escondido ali, com muito medo de algo. Não tenho certeza do que, ou mais precisamente, de quem. Ele nunca me revelou isso. O que ele compartilhava era o medo que fazia parte de sua existência. Ele morava ali há muito tempo e eu tenho certeza de que ainda está na casa, sozinho. Ele foi abandonado, esquecido há muito tempo. Eu sei, em meu coração, que sua vida foi trágica. Como eu era criança, podia sentir seu pavor, a dor em que ele estava e tudo o que eu podia fazer-lhe era companhia. Por que ele me escolheu, eu me sentia compelida a protegê-lo. Não contei isso a ninguém, exceto a Cathi e só muitos anos depois. Quando perdi minha inocência e mudei, por causa da idade, eu também o abandonei. Isso me causou tristeza e arrependimento através dos anos. Nancy deu (sem a permissão de ninguém) todos os brinquedos do quartinho pra uma família carente da vizinhança. Ela teve boas intenções, mas partiu meu coração chegar em casa um dia e ver todos os objetos da minha infância longe, como se eles nunca houvessem existido. Eu lamentei a perda e nunca mais voltei ao quartinho. Nancy não tinha idéia do que tinha feito. Ajudou generosamente os vivos, mas roubou de sua própria irmã o que restava de sua infância e, com isso, tirou de duas almas solitárias os brinquedos que ambos adoravam e dividiram. Eles eram tudo o que Oliver tinha e então foram embora. Eu era tudo o que Oliver tinha e fui embora. Ele me perdeu e eu o perdi. Quando estava mais velha e me mudei pro quarto do meio, ele de vez em quando abria a porta do quartinho e espiava, pra que eu soubesse que ele estava ali e eu o ignorava. Quando eu cresci mais, de vez em quando ele olhava pro quarto de Nancy, do mesmo quartinho. Nós já éramos adolescentes e fazíamos coisas de adolescentes. Eu percebia que ele me olhava ocasionalmente, por uma fresta da porta. Era nessas visitas que seu semblante triste se transformava numa expressão de incerteza, decepção e desdém quando eu não o reconhecia. Nenhuma das minhas irmãs o via, então eu o ignorava. Não sei bem porque. Acho que é por que ele representava uma época da minha vida que já havia passado. Ele estava preso na idade da inocência que nós compartilhamos, destinado a ficar assim para sempre, uma época que eu queria de volta, mas nunca conseguiria. Eu sentia com certeza de que a vida do garoto que eu conhecia como Oliver Richardson foi interrompida com alguma forma violenta, abuso ou negligência. A verdade dolorosa é que sua breve vida foi terrível, mas a verdadeira tragédia foi seu eterno cativeiro. Ele continua prisioneiro em uma casa que oferece a ele nada além de medo, solidão e isolamento. Eu conheço o sentimento e sei que ele continua como uma vítima em sua morte. Eu ainda lamento a perda dele e sempre lamentarei."
Uma impressão que eu já havia tido com o primeiro livro e que, de certa forma, confirmei com o segundo é que não se tratava apenas de uma casa mal-assombrada. Quer dizer, é isso também, mas por se tratar de uma propriedade construída nos anos de 1700's, a quantidade de eventos humanos - leia-se mortes e sofrimento - é incalculável.
A própria Andrea sempre menciona em palestras e entrevistas que se trata de um portal interdimensional. Alguns relatos na segunda metade do livro de fato corroboram essa idéia, por mais inacreditáveis que possam parecer.
Um elogio que eu faço com relação à narrativa dela é que ela nunca afirma saber a verdade absoluta. Todo o conhecimento que ela adquiriu vivendo os dez anos na casa ela admite como teorias. Ela mesma admite que não sabe tudo.
A meu ver, esse foi o erro de Ed e Lorraine Warren, segundo os relatos de Andrea. Ela reitera - várias, várias e várias vezes - que o casal tinha as melhores intenções quando se aproximou da família oferecendo ajuda. Particularmente, eu nem duvido muito disso, mas as ações deles também me deram margem pra dúvida. A impressão que eu tive é que o casal queria usar o caso também pra alavancar as próprias carreiras de investigadores paranormais. Um tempo depois da primeira visita que fizeram à casa, pessoas estranhas e curiosos vez ou outra batiam na porta dos Perron - você sabe como as pessoas conseguem ser estúpidas quando querem. Isso se deu ao fato de que o casal Warren passou a mencionar o caso da família Perron em suas palestras, dando detalhes sobre o endereço do local.
Além disso, quando ocorreu a sessão espírita que quase custou a vida de Carolyn, os Warren levaram para a casa toda uma equipe técnica, a fim de filmar - segundo eles, documentar - o evento. Também é preciso salientar que a tal sessão foi feita sem o consentimento de Roger e Carolyn. Os Perron simplesmente chegaram na casa um certo dia e foram entrando.
Como eu disse no começo desse texto, o volume 2 tem os mesmos problemas do volume 1 - sobretudo no primeiro 1/3 do livro - mas a força da história sustenta o livro.
Texto sobre o Volume 3, clique aqui.