sábado, 16 de janeiro de 2021

"Pelo bem da sua família, deixe as luzes acesas à noite"

 

Um dos grandes filmes lançados na década passada foi, inegavelmente, Invocação do Mal (2013). Um dos aspectos que mais chamaram a atenção foi o fato de ser baseado em acontecimentos reais. Há outros exemplos de histórias reais sobre casas mal-assombradas que viraram livros e, ocasionalmente filmes. Provavelmente o mais famoso deles é o caso de Amityville.

No entanto, a publicação do livro Horror em Amityville foi repleta de polêmicas. Embora a possibilidade de que muita coisa estranha realmente aconteceu naquela casa, toda a atenção que a mídia deu ao caso acabou também colocando em xeque a veracidade integral da obra. Há muitos relatos contraditórios através dos anos e a história real acabou sendo esmaecida por tudo isso.

Um dos diferenciais da história da Família Perron se compararmos ao caso de Amityville é o fato de que quem contou a história é uma participante ativa da história: Andrea Perron, a filha mais velha do casal Roger e Carolyn Perron. Embora os fatos principais relatados nos livros se passem entre 1970 e 1980, apenas em 2007 Andrea decidiu contar a história, principalmente porque a própria família era reticente quanto a revelar o que aconteceu. Segundo ela, o mundo amadureceu espiritualmente e esses assuntos deixaram de ser um tabu.

Infelizmente, a trilogia House of Darkness, House of Light ainda não foi publicada fora dos Estados Unidos. Devido ao alto custo das edições importadas, eu demorei certo tempo pra adquirir os livros, mas graças ao formato ebook, em dezembro comprei o primeiro volume - a diferença de preço é gritante: $150 a edição física e $15 a edição digital.

Um pouco antes, apenas por curiosidade, olhei alguns comentários de pessoas que leram o livro. A maioria reclamava que o livro "enrolava" demais, que deveria ir direto ao ponto. Vi esse tipo de comentário de mais de um leitor.
Em parte, concordo com esses comentários. O livro é bem escrito, mas mal editado. Alguns acontecimentos são mencionados mais de uma vez, assim como algumas reflexões da autora. Não discuto as reflexões em si, mas o fato de algumas delas serem mencionadas mais de uma vez.
Um outro aspecto do livro que também é questionável é a falta de uma linearidade nos acontecimentos. Se, em um momento está sendo contado algum evento ocorrido em 1971, no capítulo seguinte estamos vendo algo que ocorreu em 1979, um ano antes da família deixar a casa em Harrisville. Mesmo isso sendo compreensível - dificilmente alguém se lembra da ordem de certos acontecimentos na sua vida depois de quase quarenta anos - isso atrapalha um pouco a leitura. Acredito que uma caprichada melhor na edição resolveria isso. Uma organizada melhor na ordem das coisas.

No entanto, esses problemas técnicos são compensados por uma história extremamente interessante. O lado bom da prolixidade de Andrea ao contar a história é que ela coloca o máximo de detalhes possíveis em tudo o que aconteceu. Isso ajuda também a nos familiarizarmos com a Família Perron. Até mais do que personagens fictícios, realmente nos importamos com essa família.

Roger e Carolyn Perron adquiriram uma casa nos subúrbios de Cumberland, Rhode Island em 1964. A casa tinha um quintal nos fundos ideal para suas cinco filhas brincarem. Na verdade, o que pesou na escolha dos pais naquele local foi a qualidade das escolas na região. Por um tempo isso deu certo, mas no verão de 1970, uma mudança repentina na vizinhança alterou a convivência dos Perron ali.
As cinco filhas do casal Perron
De uma hora para outra, muitos jovens da vizinhança se tornaram delinquentes. Em uma ocasião, durante uma viagem familiar, a casa foi invadida e depredada severamente. Até mesmo os gatos da família foram afetados. Um filhotinho foi encontrado morto quando a família retornou e a gata adulta estava dentro de casa, escondida. Outros filhotes simplesmente desapareceram. Pouco tempo depois, um garoto vizinho deles confessou ter "testemunhado" os atos de vandalismo. Não foi o único acontecimento traumático que ocorreu com a família. Mais ou menos na mesma época, a cachorrinha que eles tinham foi atropelada na frente das meninas. Isso, entre algumas outras coisas fez com que Carolyn passasse a se sentir insegura na vizinhança. Ela começou a tentar convencer Roger a mudar a família para algum lugar no interior. Roger dizia que eles não estavam em condições financeiras de tal mudança, ainda mais tão repentina. Se eles fossem planejar alguma coisa do tipo, precisariam de algum tempo.

Roger trabalhava como vendedor e quase sempre passava dias fora de casa. Foi totalmente por acaso que, durante uma dessas ausências do marido, Carolyn se deparou com um anúncio num jornal sobre uma propriedade no interior à venda. Mesmo se sentindo culpada por não contar a Roger, Carolyn marcou uma visita. Deixou as meninas aos cuidados de uma amiga próxima e fez a relativamente curta viagem até Harrisville, 30km a oeste de Cumberland.
Carolyn se encontrou com a agente imobiliária que a levou até a propriedade. No caminho, a agente aproveitou para mostrar para Carolyn os principais pontos históricos da cidade.
A propriedade em Harrisville, em recente imagem de satélite 

A casa fica na Round Top Road, uma estrada que corta uma série de bosques ao norte de Harrisville. Mesmo hoje, é uma região pouco habitada, então tudo leva a crer que era ainda mais inóspita na década de 1970.

Carolyn ficou absolutamente encantada pelo local. Em contraste com a paisagem urbana a que estava acostumada, a casa no campo parecia um paraíso: 200 acres de terreno ao redor de uma casa de dois andares construída mais de cem anos antes, rodeada por árvores frutíferas, um pequeno celeiro e até mesmo um pequeno riacho aos fundos. Carolyn também simpatizou imediatamente com o Sr. Kenyon, o proprietário da casa na ocasião.
Agindo totalmente por impulso, ela deu um sinal de 500 dólares para que eles segurassem a casa por um tempo. Era quase toda a economia que ela e Roger tinham no banco.
Ela só precisava agora convencer o marido.

Quando Roger voltou, as meninas - Andrea, Nancy, Christine, Cynthia e a caçula April - estavam fora, estrategicamente. A mesma amiga que cuidou das meninas durante a "travessura" de Carolyn, as levou para um passeio, temendo que Roger não reagisse bem ao "sumiço" repentino das economias da família.
Carolyn conseguiu convencer Roger a pelo menos "dar uma olhada" no local antes de negar por completo. Alguns dias depois, toda a família foi conhecer aquela que seria sua residência pelos próximos dez anos - Roger, por fim, ficou ainda mais encantado com a casa do que a própria Carolyn.

Mesmo depois do negócio fechado, Carolyn não queria se mudar antes do Natal, então apenas em janeiro de 1971 a Família Perron se mudou definitivamente para Harrisville.

Fazia muito frio no dia da mudança. Enquanto a família tirava as caixas de dentro do caminhão e as levava para dentro da casa, o Sr. Kenyon empacotava seus últimos pertences. Ninguém se deu conta no dia, mas as meninas já teriam seu primeiro contato paranormal: enquanto passavam pela sala onde o Sr. Kenyon empacotava suas coisas, as garotas notaram um homem encostado numa parede num canto. Ele tinha um leve sorriso no rosto e olhava fixamente para o agora ex-dono da propriedade. Algumas das garotas até mesmo cumprimentaram o homem - que usava roupas de um século antes - mas o homem não respondeu.

Antes de ir embora, O Sr. Kenyon convidou Roger pra uma pequena caminhada do lado de fora - algo estranho, pelo extremo frio que fazia - e fez um alerta: "Pelo bem de sua família, deixe as luzes acesas à noite". Roger não entendeu o conselho, já que Kenyon não deu mais detalhes.

Algum tempo depois, Sr. Kenyon retornou para uma visita social. Os Perron tinham se afeiçoado bastante ao homem, que sempre fora gentil e gostava muito das meninas. Durante o dia que passou lá, perguntou à Carolyn: "Está tudo bem por aqui?" Carolyn respondeu que "a casa faz uns barulhos estranhos, mesmo tarde da noite quando o vento já está mais fraco".
Carolyn Perron
Demorou algum tempo até que Carolyn começasse a desconfiar que havia algo de incomum com a casa. O principal motivo dessa demora é que nenhuma delas - Roger passava muito tempo viajando - comentava com as outras sobre as estranhas ocorrências na propriedade. E eram várias ocorrências. Entre elas, objetos pessoais que mudavam de lugar quando não havia ninguém no cômodo. Isso com cinco garotinhas - Andrea, a mais velha, tinha 12 anos - morando na mesma casa resultava em acusações e brigas. Outro fenômeno só revelado entre elas depois era a sensação que todas sentiam de estarem sendo vigiadas, mesmo quando sozinhas em diferentes aposentos da casa.
A propriedade também era fria demais, mesmo considerando o inverno que passavam. Carolyn sentia isso mais do que qualquer um. Geralmente quando esse frio era mais intenso, um cheiro desagradável o acompanhava também.
Nenhuma das garotas gostava de ficar muito tempo perto da porta do porão. Foi lá que duas delas viram um fantasma num canto atrás da porta, justamente no dia em que se mudaram para lá. Quando, meses depois, as meninas começaram a compartilhar entre elas os eventos estranhos na casa, todas admitiram sentir um certo desconforto ali. Infelizmente, a porta do porão ficava num dos corredores principais da casa, passagem obrigatória para ir de um lugar para outro.

Cynthia, a segunda mais nova, foi a primeira a ter um contato direto com as muitas entidades que existem na casa. Numa certa manhã, o ônibus escolar chegou e ela era a única das filhas que ainda não estava pronta. Seus livros estavam no quarto de Andrea, em cima da cama. Enquanto as demais iam para o ônibus, Cindy entrou correndo em casa, só pensando em pegar os livros no andar de cima. Assim que passou pela soleira da porta, ela foi interceptada por uma figura saída do porão, justamente no caminho dela. A figura não tinha uma forma definida, era algo mais parecido com uma névoa, mas sem conseguir parar a tempo, Cindy passou diretamente através da aparição. Assim que passou, o ar à suas costas se tornou gelado e ela sentiu um cheiro horrível no ar, assim como chegou a aspirar um pouco da coisa quando passou. Cindy começou a tossir violentamente, mas a buzina do ônibus tomou sua atenção. A garotinha conseguiu pegar o ônibus a tempo, mas uma hora depois Carolyn teve que buscá-la na escola. Cindy adormeceu durante a aula e isso preocupou seus professores. Pelos próximos dois dias, a garota dormiu a maior parte do tempo em casa e ninguém suspeitou de algo além de uma gripe.

Carolyn começava a ficar extremamente incomodada com o frio dentro da casa, mas também estava claro que ela sentia mais frio do que outras pessoas. Em algumas situações, ela conseguia ver o vapor de sua respiração enquanto qualquer pessoa que estivesse junto a ela parecia completamente confortável com a temperatura. Ela também reparou que alguns pontos da casa eram mais frios do que outros. 
Quando compraram a casa, as duas lareiras estavam seladas e quando questionado sobre isso, Sr. Kenyon dava respostas evasivas. 
Carolyn também passou a sentir desconforto físico dentro da casa. Perda de peso, vontade de dormir o dia inteiro, falta de energia, dores no corpo - sobretudo nas costas e pescoço. Mesmo Roger e as meninas começaram a reparar.

Uma vizinha apareceu para uma visita um dia. Carolyn estava ansiosa por fazer novos amigos, já que estava numa cidade ainda estranha pra ela, então o que aconteceu nesse dia atrapalhou parte desses planos: enquanto as meninas entretiam a vizinha na cozinha, Carolyn estava terminando de tomar um banho. As meninas foram surpreendidas por barulhos vindo do banheiro e todas - incluindo a vizinha, Sra. Pettigrew - correram para lá. Ao abrirem a porta, viram o porta toalhas suspenso no ar, batendo nas costas de Carolyn, como se alguém invisível estivesse agredindo a dona da casa. Todas viram isso acontecer. Em seguida o porta-toalhas caiu no chão. Carolyn ficou com alguns hematomas nas costas.

Depois de ter certeza de que Carolyn estava bem, a Sra. Pettigrew disse que precisava ir embora. Antes de ir, disse à Carolyn: "Os Kenyons deixavam as luzes acesas durante a noite. Todas as luzes... todas as noites." 
Apesar de ter demonstrado simpatia à Carolyn, a vizinha nunca mais voltou lá.

Nos momentos em que Roger estava em casa, ele sempre tentava encontrar explicações lógicas para todos os eventos estranhos que Carolyn ou alguma das garotas contava pra ele. As portas que se abriam sozinhas provavelmente por haver algum desnível na fundação da casa - ignorando que algumas portas se destrancavam sozinhas antes de serem abertas por algo. Por muito tempo, Roger agia com ceticismo quanto a todos esses eventos.

Uma das aparições mais frequentes na casa era a do homem que as garotas viram no dia da mudança. Elas o apelidaram de Manny (de "man", homem). Durante todos os dez anos em que os Perron viveram em Harrisville, ele era uma presença constante na casa. No entanto, era uma presença pacífica. As meninas até mesmo o viam como alguém que estivesse zelando por elas

Outra presença sobrenatural constante na casa eram os Baker Boys, geralmente vistos no patamar da escada que levava aos quartos. Posteriormente, pesquisando sobre o passado da propriedade, Carolyn descobriu sobre a história de um pai e um filho que viveram e morreram naquela casa, provavelmente os mesmos que eles viam constantemente.
Carolyn e a lareira, depois de reaberta

Roger, em parte por passar grande parte do tempo viajando mas, principalmente por ser cético por natureza, demorou mais do que o restante da família para aceitar os eventos bizarros que aconteciam, mas mesmo isso veio a acontecer posteriormente. Um dos primeiros fenômenos aparentemente inexplicáveis que tirou o patriarca do sério foi o aparecimento repentino de um número absurdamente alto de moscas na casa. Nem Roger e nem Carolyn conseguiam descobrir de onde elas viam. Como Carolyn se recusava a chamar uma dedetizadora por conta do risco de contato das meninas com os venenos, matar as moscas virou uma espécie de obsessão para Roger. Por um tempo, parecia ser a única coisa que ele fazia nos dias em que estava em casa.

Já na época em que Carolyn acreditava estar morando numa casa mal-assombrada, as discussões entre ela e o marido eram constantes. Ele a acusava de estar vendo coisas e ela retrucava dizendo que nunca havia mentido para ele e não seria agora que iria começar. Ela não aceitava o fato de que ele não acreditava nela ou nas meninas... até o dia em que estava com Carolyn e viu a porta da despensa abrir sozinha. Usando novamente a explicação de que a casa talvez estivesse um pouco torta, Roger foi até a porta e a fechou com o trico. Pouco depois, o trinco se destrancou... e a porta voltou a abrir. Roger foi até uma gaveta e pegou um rolo de fita adesiva. Em seguida, fechou a porta, baixou o trinco e passou várias voltas de fita adesiva.
No dia seguinte, de manhã, Roger encontrou a porta novamente aberta e a fita adesiva toda picotada no chão.
Foi um dos motivos que o fez mandar as meninas trocarem de roupa, pois eles iriam à igreja.

Cansada de sentir frio o tempo todo, Carolyn decidiu que iria reabrir a lareira. Roger estava fora de casa nessa época e a mulher decidiu ela mesma começar o serviço. Dias depois, com a lareira reaberta, Carolyn começou a se sentir um pouco melhor, desde que estivesse sempre por perto pra se aquecer.
Não muito tempo depois, numa noite em que a casa estava tranquila - e Roger estava fora novamente - Carolyn se preparava para ir pra cama. As meninas já estavam todas dormindo no andar de cima - o quarto de Roger e Carolyn era o único no térreo - quando ouviu um som estranho vindo da sala. Quando foi verificar, notou que a lareira que ela havia deixado acesa estava agora apagada e a sala mergulhada na escuridão. Carolyn ouviu então um som às suas costas e quando foi verificar o que era, viu seu quarto em chamas. Mesmo em pânico e desesperada pelas meninas, Carolyn ficou petrificada. Não conseguia se mover enquanto assistia as chamas se espalharem e iluminarem todo o andar de baixo. Depois de um tempo, o fogo desapareceu e Carolyn não encontrou nenhum vestígio dele. Nenhum móvel estava danificado.

Apesar da Família Perron ser numerosa, os primeiros meses em Harrisville foram, de certa forma, solitários para Carolyn. Roger se recusava a acreditar no que ela dizia sobre os acontecimentos na casa e as meninas ainda não haviam revelado nada sobre o que elas também presenciavam.
O casal tinha um amigo advogado. Certa manhã, solitária, Carolyn ligou pra Sam. Precisava desabafar.
Para a surpresa de Carolyn, depois de contar bastante coisa, Sam ficou em silêncio por um tempo do outro lado da linha. Depois, falou:
 - Querida, me parece que vocês compraram uma casa mal-assombrada
 - Você acha?
 - Acho.
 - Então você acredita em mim.
 - Claro que acredito em você. Minha casa em East Side é mal-assombrada.

Posteriormente, Sam fez uma visita à casa deles. Conversando com o casal, Sam contou sobre suas próprias experiências e assegurou para Carolyn de que não havia perigo. Era só questão de ignorar os fenômenos, quando ocorressem. Por um tempo, Carolyn ficou aliviada. Roger já estava um pouco mais flexível sobre o assunto, depois de uma longa conversa que teve com Carolyn, na qual ela contou tudo - inclusive o relato de Sam ao telefone. Não apenas isso, mas Roger prometeu à Carolyn que a partir de então só iria pegar trabalhos na região, para que conseguisse voltar pra casa todas as noites.

Talvez percebendo que seu casamento não estava na melhor época, uma noite Roger levou Carolyn para jantar fora e ao cinema. Deixaram as meninas com uma babá. Era por volta de meia-noite e quinze quando voltaram.
Muitas horas depois, Carolyn acordou ouvindo passos no quarto. Ainda sonolenta, esticou o braço, sabendo que reconheceria qualquer uma das filhas apenas pelo toque. "O que foi, querida?", disse ela. Como não houve resposta, Carolyn abriu os olhos e viu a figura grotesca de uma mulher flutuando sobre ela, ao mesmo tempo que sentiu um cheiro horrível e muito frio. A mulher usava um vestido antigo e tinha a cabeça inclinada de forma não natural pra um dos lados, como se tivesse o pescoço quebrado. Não havia um rosto definido, apenas uma aparente massa de carne em decomposição e um emaranhado de coisas, como uma mistura de ninho de passarinho com teias de aranha.
A mulher flutuava ao lado da cama e sobre Carolyn, que começou a chutar Roger para que ele acordasse, arranhando a perna do marido com as unhas do pé. Num ímpeto, conseguiu se mover um pouco e agarrou os cabelos do marido, puxando para que ele acordasse. Roger parecia sem vida. Depois de um tempo que pareceu uma eternidade, a aparição desapareceu.
Carolyn, ainda se recuperando do terror, se levantou e pegou um caderninho, pra escrever o que tinha visto, rapidamente, sem se preocupar se fazia sentido ou não:

o vestido verde enferrujado feito à mão com cinto de tecido tingido à mão apertado na cintura com uma fivela oval coberta com o mesmo tecido roupas vintage um ser de época feia cabeça de colmeia um ninho de vespas pescoço quebrado pendurado para o lado sem olhos sem boca teia de aranha cinza sem mãos sem pés apenas flutuando acima de mim frio, tão frio, não posso respirar a morte vil, malvada, nenhuma cômoda vai se aproximando frio, não posso respirar tão perto, tão perto quer me tocar, não me toque, a cabeça inclinada em um ângulo quer um beijo Querido Senhor Oh meu Deus



Além da descrição, Carolyn também fez um desenho da aparição. Ela não voltou a dormir e de manhã, Andrea desceu as escadas, dizendo que havia tido um pesadelo com a mãe. Viu o caderno sobre a mesa, assim como o desenho que Carolyn havia feito.

"Mãe, eu conheço ela. Sonhei com essa coisa. Isso me acordou. Queria machucar você".

Carolyn tomou gentilmente o caderno da filha.

"O que foi isso? Um pesadelo? Eu sonhei com isso também. Ela estava flutuando sobre você. Eu acordei, mas não conseguia me mexer. Você gritava, mas eu não conseguia me levantar pra te ajudar. Mas podia te ouvir."

Incapaz de mentir para a filha, Carolyn chamou Andrea para a cozinha, pra tomarem um café e conversar. Andrea quis saber se a mãe sentiu medo e ela respondeu que sim. A filha mais velha também deu mais detalhes do sonho que tivera.
Carolyn, por sua vez, evitou dar maiores detalhes sobre sua experiência de poucas horas antes, principalmente pra não assustar a filha.
 - Mãe, você também ficou assustada? Eu fiquei assustada por você.
 - Sim, Annie. Eu me assustei também.
 - E vejo coisas, às vezes. Ouço sons... coisas assustadoras que acontecem aqui.
 - O que você viu?
 - Eu vejo sombras no meu quarto, mesmo com pouca lua, no escuro. às vezes eu ouço vozes antes de dormir. Eu não consigo entender o que elas me dizem. Eu não gosto de ir no banheiro sozinha. Parece que estou sendo observada. Como se estivessem olhando enquanto eu... você sabe. É embaraçoso. As coisas se movem na minha mesa quando estou fazendo lição de casa. E você sabe o que aconteceu com a nossa lousa.! Mãe... pode me falar a verdade. Nós temos fantasmas?

Carolyn percebeu que era tarde demais para evitar o assunto com sua filha mais velha. Mesmo assim, disse pra ela não mencionar o assunto às mais novas, pra não assustá-las. Andrea concordou e disse que iria voltar pra cama, pois seu sono tinha voltado. Carolyn a acompanhou até a escada, onde encontrou Cynthia, chorando. A menina disse ter tido um pesadelo. Andrea voltou pro quarto e Carolyn levou Cindy pro sofá, onde a menina contou sobre seu sonho... que era idêntico ao que Andrea havia descrito para a mãe minutos antes.
Na mesma manhã, Roger acordou com estranhos arranhões em suas costas.

Carolyn contou o que aconteceu para Sam.
(ele mesmo, durante a visita que fez a Carolyn no dia seguinte, presenciou a porta da despensa se destrancar e abrir sozinha, antes da caçula April dizer que "uma coisa ruim tinha acontecido ali")
Carolyn queria que Sam os ajudasse com sua experiência de advogado, pra saber se poderiam desfazer o negócio e se livrar da casa. Sam disse que iria pesquisar sobre essa possibilidade e, dias depois, disse que não havia nada que pudessem fazer.

Aos poucos, as meninas começaram a compartilhar entre si os estranhos eventos que ocorriam com cada uma. Não muito tempo depois, contaram para Andrea, a mais velha, que se responsabilizou em contar para Carolyn quando chegasse a hora.
Numa tarde de junho de 1971, seis meses depois da mudança, Andrea pediu pra falar com Carolyn em particular e disse que suas irmãs - exceto a caçula April - também tinham presenciado fenômenos bizarros na casa. Tantos que ela nem conseguiria se lembrar de todos e que Cynthia parecia ser a que mais tinha tido experiências. Carolyn já desconfiava que esse era o motivo da conversa e pediu para Andrea reunir as outras três, pra uma conversa franca. Logo, Carolyn e as quatro filhas mais velhas - April estava dormindo - estavam juntas, na cozinha.

Carolyn: Annie me disse que vocês notaram coisas estranhas acontecendo  do aqui em casa. É importante me dizerem o que está acontecendo. Se existe alguma coisa assustando vocês, eu quero saber.

(silêncio)

Carolyn: Bem, eu não planejava contar pra vocês, mas eu mesmo tenho visto algumas coisas.

Cynthia: Meus brinquedos mudam de lugar o tempo todo.
Eu tenho meus bonequinhos e bichinhos de fazenda e eles sempre mudam de lugar quando eu saio do quarto, mesmo se for só por uns minutos. Quando eu vou no banheiro, o avião vai pra debaixo da minha cama e o ônibus vai pra dentro o closet. Eu colocava a culpa na April, porque ela brinca no closet o tempo todo, mas não é ela, porque acontece muito depressa. Mais depressa do que qualquer um de nós poderia fazer.

Nancy: Eu ouço passos. No closet... mas também na escada que dá pro meu quarto, sempre subindo. Mas aí eles param na porta. Eu fico pensando que a porta vai abrir e é isso que me assusta mais... a espera. Não saber quem está do outro lado. Às vezes, quando estou no meu quarto, a porta do closet abre sozinha. Quando minhas coisas somem, eu as encontro em lugares estranhos... que eu sei que não as deixei lá. (...) Quando o negócio da porta acontece, fica frio e cheira mal.

Christine: Meus brinquedos se movem também.

Nancy: Eu me sinto sendo observada o tempo todo. Quando eu olho, não tem ninguém, mas alguém está no quarto comigo. Isso me assusta... especialmente no banheiro. Eu sempre levo a Cindy comigo, pra vigiar. E eu nunca vou no quarto da chaminé sem ela. (...) Uma vez eu desci as escadas correndo, quando cheguei no andar de baixo eu vi o telefone fora do gancho, flutuando no ar. Quando cheguei lá, ele caiu no gancho tão rápido que o fio ficou balançando de um lado pro outro. Mas como ninguém estava lá comigo, não contei pra ninguém até agora.

Cynthia: E a geladeira abre sozinha e as coisas são jogadas de dentro pra fora.

Nancy: Todas as portas abrem quando querem ou fecham na minha cara quando estou indo de um cômodo pro outro. Eu vejo sombras no meu quarto À noite, Uma nuvem negra. Eu cubro a cabeça e rezo pra Deus fazer ir embora.

Cynthia: Faz mais frio em alguns cômodos. Quando o medo passa, volta a esquentar. Eu vi um gato correndo pela porta do banheiro e não era o nosso gato e a porta estava fechada! Às vezes minha cama vibra e muda de lugar. Isso me acorda. Chrissy me ajuda a colocar no lugar de manhã. (...) Eu sei que você (para Carolyn) nos coloca na cama à noite, mas outra senhora também. Ela sempre se inclina pra dar um beijo de boa noite. Eu nunca sinto o toque dela, mas sei quando ela está lá. Não é você, mãe. Ela tem um cheiro diferente... de frutas e flores. Então outra pessoa, outra senhora, vem mais tarde, quando está todo mundo dormindo. E ela traz um cheiro tão ruim pro quarto... muito ruim... como alguma coisa morta. Então ela se inclina sobre mim e sinto frio, mas quando ela vai embora, esquenta de novo. É assim que sei que ela se foi. Eu me cubro inteira e rezo. Ela me olha por um longo tempo. Não sei porque. E tem uma garotinha que anda pelo meu quarto chamando pela mãe. A voz dela é muito triste e me faz chorar. Acho que é ela que brinca com meus brinquedos. Ela pode. Tudo bem pra mim.

Carolyn: Muito bem! Vamos vender essa maldita casa!

No mesmo momento que disse isso, todas as quatro meninas, simultaneamente, disseram um sonoro NÃO! A verdade é que elas adoravam a propriedade, adoravam a escola, adoravam os amigos, adoravam o interior. Carolyn podia ver a sinceridade em cada uma delas, mas não conseguia compreender que todas as quatro preferiam se sacrificar e conviver com fantasmas a deixar o paraíso em que estavam.

Mesmo assim, a conversa ainda não havia terminado. Mais algumas coisas foram contadas a Carolyn naquele dia. E antes de colocar as meninas na cama, Carolyn pediu que nenhuma delas mencionasse a conversa a April, a caçula. Tinha esperanças de que pelo menos a caçula fosse poupada dos fenômenos.
(ela estava errada quanto a isso)

Tudo isso ocorre antes mesmo da metade do livro. A partir do momento em que as mulheres da casa admitiram pra si mesmas que a casa realmente era mal-assombrada, o sentimento de cumplicidade delas ajudou um pouco a enfrentar os fenômenos. Mesmo Roger, cético por um bom tempo, teve sua cota de eventos bizarros que testemunhou - um deles, inclusive quando estava sozinho em casa.
Algumas amizades pontuais também serviram pra diminuir a angústia da família. Uma amiga que Carolyn fez a ajudou a pesquisar sobre o passado da propriedade - inclusive a descobrir sobre Bathsheba Sherman, principal "suspeita" de ser o espírito que atormentar especialmente Carolyn mais do que os outros - Carolyn teria outra visita de Bathsheba à sua cama, ainda pior do que a primeira vez.

Vi numa entrevista de Andrea que quem deu o nome ao livro foi Carolyn. A família passou por momentos terríveis na casa em Harrisville, ao mesmo tempo que passou os melhores anos de suas vidas. As meninas cresceram naquela casa. Os Perron só se mudaram em 1980, por insistência de Carolyn, que disse a Roger que não sobreviveria a mais um ano naquela casa.

Depois dos acontecimentos que narrei acima, muita coisa ainda acontece na segunda metade do livro - tantos que nem consigo me lembrar de todos pra incluir nesse texto, mas realmente é possível perceber que a Família Perron também teve momentos mágicos na casa. 

Isso tudo acontece no primeiro livro da trilogia. Acredito que o segundo conte sobre o envolvimento de Ed e Lorraine Warren no caso.

Embora eu ache difícil de acontecer a curto prazo, torço pro livro ser publicado no Brasil um dia.

Texto sobre o Volume 2

Texto sobre o Volume 3

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

O Amor (2020)

 



Curta-metragem, 2020

Dirigido por Marco Alves Roteiro Marco Alves Michele Alves Elenco Luana Marcelino Gabriela Marcondes Augusto Sales Pedro Abranches Produção Jonnathas Caetano Michele Alves Direção de Fotografia Lucas Nascimento Edição Michele Alves Direção de Arte Núria Cordeiro Maquiagem Dafne Jones Núria Cordeiro Assistente de Direção Beatriz Panham Som Leandro Pacheco Designer de Som Michele Alves Casting Jonnathas Caetano Michele Alves Assistente de Figurino Dafne Jones Assistente de Produção Evandro Dias de Sousa Eder Ferreira do Amaral Agradecimentos Teatro Arthur Azevedo Sitio Quinta dos Loureiros Teatro Gamaro Hotel Meliã Paulista Livraria Nobel - Shopping Metrô Tatuapé Parque Trianon Página do IMDb: https://www.imdb.com/title/tt6943590